Conto das terças-feiras – O funcionário público cobiçoso

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 30 de julho de 2019

Papalvo, com mania de grandeza e expectativa exagerada em relação às próprias possibilidades, Mário Gustavo, que tinha como função lidar com tributos, desde orientar e esclarecer aos contribuintes quanto ao cumprimento das obrigações legais, até cadastrar e controlar a cobrança desses impostos, era apaixonado em ler nos jornais, na coluna de vende-se, os anúncios com ofertas de fazendas. Seu sonho era possuir uma, embora suas posses não permitissem.

De posse de anúncios referentes à venda de propriedades que lhes enchiam os olhos, e poderiam saciar a sua fascinação em possuí-las, Mário Gustavo procurava entrar em contato com o proprietário da fazenda selecionada, solicitando autorização para visitá-la. Na conversa deixava claro, que não haveria a necessidade da presença do vendedor. Com o endereço anotado em um caderninho, ele se deslocava até à fazenda em seu velho jipe, adquirido em um leilão, promovido por uma unidade do exército brasileiro. Veículo versátil norte-americano, que se integrou à história militar e civil de diversos países. Dizia ele que o seu meio de transporte tinha o nome de Jeep, um personagem de história em quadrinhos chamado Eugene the Jeep, da turma do Popaye, “que era pau para toda obra.”

Ao chegar às propriedades, Gustavo, como gostava de ser chamado, procurava o responsável, apresentava-se como comprador e fazia observações que deixavam o capataz de boca aberta, incrédulo, pois seu patrão não o havia comunicado da visita tão estranha.

A última dessas visitas aconteceu em uma grande fazenda de gado, localizada na Mesorregião dos Sertões Cearenses, em Quixeramobim, precisamente na bacia hidrográfica do rio Banabuiú. Em lá chegando, procedeu da maneira de sempre. Identificou-se ao capataz, informando:

— Eu sou o doutor Gustavo, Mário Gustavo, o novo proprietário desta fazenda – falou com voz impostada, corpo aprumado e vestindo calça e paletó de linho branco, sem gravata, mas camisa branca bem passada, sapatos também brancos, tudo para impressionar o simplório homem do campo.

Assustado o homem abriu a porteira mandou o doutor entrar, fez mesuras e encaminhou o novo patrão até a entrada da casa da fazenda, fazendo-o estacionar o velho jipe, mas bem conservado, na garagem do antigo patrão. Gustavo saiu de seu veículo, passou a mão direita na indumentária retirando o pó vermelho da estrada de barro, que grudara no alvo e bem passado linho. Olhou para todos os lados da fazenda, fazendo demorada parada na direção onde estava confinado o gado. Esboçou um leve sorriso de satisfação e dirigiu-se para inspecionar a bela casa da fazenda à sua frente. Percorreu todos os cômodos como proprietário fosse. Parou em um dos quartos, o de casal e falou para o capataz:

— Quero que você separe todos os pertences do antigo patrão e da patroa também. Eles devem vir buscar no próximo fim de semana.

O capataz, de nome Raimundo, o senhor Mundinho, incapaz de reagir àquela intromissão tão repentina, apenas balançou a cabeça afirmativamente. Ele sabia que a propriedade seria colocada à venda.

Saindo da casa principal, pois havia várias outras, distribuídas em outras posições da fazenda, Gustavo dirigiu-se ao caramanchão onde parecia ser o lugar de reunião festiva da família. Havia uma grande mesa, várias cadeiras e uma moderna churrasqueira, pronta para receber as carnes que o proprietário tanto gostava, quando vinha à fazenda, passar os finais de semana, já que morava na capital.

Olhando com ar de reprovação, Gustavo chamou o senhor Mundinho e ordenou:

— Eu não como carne de gado, não gosto de churrasco e nem do cheiro de fumaça. Amanhã você limpa tudo isso, coloca a mesa e as cadeiras no alpendre da casa e poda as árvores que fazem sombra naquele espaço.

— Sim senhor, falou o homem, sem saber se obedecia ou não.

Depois de mais algumas andadas pelas proximidades da casa, Mário Gustavo entrou em seu Jipe, despediu-se do capataz, ordenando para que ele abrisse a porteira.

Em sua empáfia e orgulhoso pelo pouco momento em que se sentiu proprietário de uma grande fazenda, foi pela estrada cantarolando e se sentindo feliz. Não pensou um momento sequer sobre a reação do verdadeiro proprietário.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 30/07/2019
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