A avó

Ela observava a avó remendar a velha boneca de pano. Seu semblante carrancudo as vezes lhe dava medo. Ela parecia tão velha quanto a boneca, pareciam almas afins que se encontram no fim da vida. Ela não queria imaginar como seria o fim, mas deveria, já que elas denunciavam em muitos momentos delicada fragilidade e tristeza. A avó era linda e fora na juventude razão de muitos desgostos masculinos. A amara um só homem toda a vida e ele se fora sabendo disso. Remendar uma boneca roca não era tarefa fácil, ela olhava o esforço da avó em fechar o o maior rasgo de onde esvaia seu recheio flocado. “ Deveria trocar por algodão, esses flocos estragam mais rápido o tecido", disse acariciando a boneca com uma expressão suave e quase meiga. "Vó? você teve muitas bonecas quando era criança? como elas era?" perguntou baixinho como se não quisesse interromper aquele delicado trabalho . " Sim, tive bonecas" ela respondeu. "Elas eram bem diferente, não foram muitas, e não podiam ser caras também. Existiam bonecas lindas com corpo de cetim e cabeça de porcelana. Ah... como eram lindas!!! nunca tive uma as minhas eram feitas pela minha mãe, como essa que fiz para você. Lembro de Lelé a minha preferida." A lembrança a fez calar, seus olhos nevoados se iluminaram e marejaram, sorriu desconcertada, aprumou-se na poltrona e continuou: " Lelé foi feita de um pedaço grande de tecido que sobrou de um vestido feito pra ser usado dia de domingo. Era um vestido lindo! com babados e sobras de passa anamaria e fitas. O pano era rosado com miúdas margaridas espalhadas pelo tecido de algodão fino. O seu corpo tinha sido feito de um retalho de anágua crua, passara dias juntando e escolhendo restos de fitas marrons para fazer uma trança que saia debaixo de chapéu florido. Olhos de botão, boca e bochechas de rouge vermelho. Não sei por que mas ela sorria para mim e eu não consegui dormir sem ela, assim como você com essa aqui." Ela sorriu novamente e voltou a tarefa de terminar de cerzir a boneca. Ela ficou calada dai então, percebeu ai o quanto a avó era rica de tempo e histórias, se não fosse tão sisuda poderia tirar dela boas histórias de um um tempo que se fora. Ela estava quase dormindo embalada pela voz suave da avo e pelas imagens que formava em sua imaginação. "Terminei". A avó entregou a boneca para ela, sorriu agradecida de volta. "Fique deitada você precisa descansar. Vou fazer um chá para nós duas". Ela observou a avo sair do quarto. Abraçou a boneca, beijou sua face já sem rouge, fechou os olhos e dormiu encantada com a visão de Lelé.

Para Carolina que ama Lelé.

LadyM

29.07.2019