Conto das terças-feiras – A viúva Otacília e seus filhos
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE,
Dona Otacília era uma senhora de mais de setenta anos de idade, que morava em uma casa localizada em um terreno recuado da Rua Antônio Augusto, em Fortaleza. Sua residência era pequena e de aspecto misterioso, ninguém da rua a conhecia por dentro, a área que a antecedia, media da calçada à porta 80 metros de frente por 60 metros de fundo. Com ela moravam dois filhos e uma também idosa senhora, que ajudava nos afazeres domésticos. Falava-se, à boca pequena, que havia muito dinheiro guardado naquela casa, que dona Otacília era viúva de um homem bastante rico e que o dinheiro estaria enterrado no terreno.
A velha senhora só saía de casa para a missa dos domingos, sempre acompanhada pela dona Flor, bem mais jovem que a dita senhora. Florzinha, como era tratada dona Flor pela companheira de reza, nutria desejo de se casar com um dos filhos da amiga, de olho na propalada fortuna da família. Só que havia um problema, um dos filhos era portador de paraplegia e o outro alcoólatra. Os olhos de Florzinha estavam sempre voltados para esse último, o filho mais jovem, ou seja, não tão velho quanto o outro.
José Otávio, o alcoólatra, bebia quase todos os dias, seu vício era cachaça, a “mardita pinga”, expressão de dona Otacília. Ele dormia até às 14 horas, acordava, almoçava e saía para a rua. A garotada se divertia durante a sua volta à casa, depois das 22 horas, quando não havia mais bar aberto nas redondezas de onde morava. Conhecido na rua pela alcunha de “coveiro”, por sempre ver buraco à sua frente, quando bêbado.
A meninada sempre gritava:
— Zé da cova, olha o buraco!
De pronto Zé da Cova pulava, fazendo gesto que atravessara um buraco. Após o salto tentava se equilibrar e caía logo adiante. A gargalhada era prolongada, os meninos se apresentavam para colocá-lo de pé e vê-lo cair novamente.
— Zé da Cova, olha o buraco, esse é fundo – gritavam eles.
A cena se repetia quase todos os dias, José Otávio se preparava para saltar mais alto, com medo de cair no buraco. E assim, Zé da Cova se esforçava para chegar em casa, de tentativas de equilíbrio e quedas. Do bar que entrara pela última vez até a sua casa eram apenas três quarteirões, o tempo percorrido levava mais de duas horas. Às vezes nem chegava, ficava dormindo na porta do bar do senhor Raimundo, até o amanhecer. Nessas horas aparecia Florzinha dizendo:
— José Otávio, passando por aqui vi você indo para a sua casa. Posso acompanhá-lo? – perguntava a moça, procurando demonstrar tranquilidade para parecer que aquele encontro fora por acaso. Como ele nunca se lembrava do que ocorrera no dia anterior e em outros dias, ele sorria e aceitava a proposta. Andavam devagar e, ao chegar em casa, dona Otacília mandava o filho entrar, impedindo que a amiga entrasse também. Ficavam conversando na porta de casa, com a velha senhora procurando saber por que eles estavam juntos, naquela hora, novamente. A amiga disfarçava e tentava saber mais sobre José Otávio:
— É verdade que Otavinho, perguntava ela carinhosamente, não tem namorada?
Dona Otacília, mulher experiente, desconversava, deixando a amiga falando sozinha. Quando a conversa era sobre os filhos, não havia diálogo, ela sabia que elas só se aproximavam deles por causa de seu dinheiro. Até o filho portador de paraplegia não escapava dessas investidas.
Com a continuidade do vício, nem mesmo a cachaça bastava para José Otávio. Ele passou a beber álcool puro e, na falta deste, até perfume servia. Daí foram dias angustiantes para a mãe, que sofria com a dependência do filho. Ela chegara a desejar que o filho também tivesse nascido com paraplegia ou qualquer outra doença que o mantivesse imobilizado em cadeira de rodas, como o irmão, que quase não lhe dava trabalho.
Por ironia do destino, os dois irmãos vieram a falecer primeiro que a mãe, permitindo que a velha senhora tivesse um fim de vida mais tranquilo. Antes de morrer deixou sua fortuna, que não estava enterrada e sim depositada em um banco para uma instituição que mantinha uma casa de repouso para idosos de baixa renda, por ela criada.