Os meus fins de tardes

Os meus fins de tardes têm sido todos iguais: sentado ao pé da árvore na frente do meu quintal.

Enquanto eu reviro o passado, "o tempo come o meu cigarro". Nesses instantes tenho único desejo: voltar ao exato momento em que menti pra minha mãe naquele domingo.

Do outro lado da rua, crianças brincam de astronautas ou de fazer desejos aos magos e fadas e parece que os desejos que fazem são bem simples de serem realizados, já o meu é impossível. Eu fico por horas olhando as brincadeiras dos pirralhos, e é hilário que isso me distraia, as vezes até me faz sorrir. Eu me lembro do tempo em que eu passava sem nota-las. Naquele dia do acidente foi assim.

Num domingo, quase no fim da tarde eu fui encontrar uns amigos na praia, de lá decidi ir pra outra mais distante. Estávamos todos sem carro, então eu decidi passar em casa pra pegar o carro da minha mãe, ela tinha saído com uma amiga, então eu só liguei avisando. Quando ela perguntou se eu tinha bebido, eu menti, pois havia bebido bastante. Se falasse a verdade, ela jamais diria onde estavam as chaves.

Eu lembro de cada detalhe da ida, lembro que compramos mais cervejas e que bebemos até parte da noite. Mas não lembro muito dos acontecimentos da volta, nem quem dirigia o carro. O que consta no boletim é capotamento em alta velocidade. Lá também estão descritos, de acordo com a perícia, detalhes de como aconteceu o acidente. O fato que me deixou sentado nessa cadeira pra sempre, olhando as mesmas coisas e essas mesmas crianças que brincam na rua de casa todos os dias.

É até engraçado como elas são inocentes, brincam de escolher nome pra nuvens, ou fazem desejos de chuva de chocolates sobre suas cabeças, as vezes brincam que são grandes e se metem em camisas velhas dos pais passando de pirralhos e pirralhas para grandes executivos, médicos, professores e tudo mais. Diferente das minhas pernas, a imaginação delas não tem limites.

Fico aqui toda tarde tentando aceitar o presente e remoendo aquele dia. Penso tanto, me arrependo tanto, que quando dou por mim, o tempo me comeu outro cigarro.