"Acender as velas"

Moravam numa encosta de morro, zona perigosa por causa dos deslizamentos causados pelas chuvas.Qualquer chuva era um aperreio, gerava medo, levava ao desespero... Mas seguiam vivendo ali porque não havia outra possibilidade de moradia. Além desse problema havia outro drama:a sobrevivência propriamente dita, a alimentação,Às vezes passavam até fome, o casal e os filhos, isso ocorria quando ele não arrumava trabalho em obras ou de qualquer tipo, só faltava mesmo mendigar. A esposa, além de tomar conta dos filhos, ainda lavava e engomava para fora, mas estava rareando aparecer trabalho,falavam que era por causa da crise. Os filhos iam à escola mais para comer, mas ultimamente estavam fora da escola e procurando restos de alimentos nos sacos de lixo dos prédios da cidade. E como se não bastasse, a esposa estava adoecendo constantemente, dores lancinantes na cabeça e no corpo. Fora internada diversas vezes numa UPA, davam um remédio e mandavam para casa. Mas as dores sempre voltavam, sem um diagnóstico.

Certo dia quando o esposo chegou à noitinha, foi justamente na hora que a esposa desmaiou. Ele se aperreou e um vizinho que tinha celular chamou o Samu, demorou mais veio, levou a mulher não para a Upa. mas para um hospital público, cheio, ela ficou num corrdor em cima de um resto de maca. Esperando o especialista, o médico. Quando foi atendida foi tarde demais, morreu. Como morrem os indigentes todos os dias, sem nem ao menos saber a causa da morte. Depois de liberado o corpo, de muita burocracia, fizeram o enterro, apenas com alguns moradores do morro, meia dúzia de pessoas, enterro de segunda classe. O homem sentou muito, mas sereno, a sua esperança é que sua mãe que vivia com eles tomasse conta dos filhos enquanto ele procurava trabalho. Voltou para casa de ônibus. Junto dele estava um sujeito com um rádio ligado tocando uma música antiga que dizia num verso:"É mais um coração que deixa de bater... o doutor chegou tarde demais... Acender as velas já é profissão quando não tem samba, tem desilusão". O homem chorou por dentro de tristeza e revolta, ainda ouviu um carinha dizer a outro, deviam ser estdantes: - É isso, véio, é como disse Malraux, "Há mais dores no mundo do que estrelas no céu. Estavacerto o francês. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 03/07/2019
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