Hoje eu sonhei.

Eu sonhei errado.

Estava difícil fechar os olhos e ignorar o zumbido no meu ouvido, que parecia preencher meu quarto, ressoando entre aquelas quatro paredes, e eventualmente voltando para minha mente. O casaco em cima da cadeira formava a silhueta de uma pessoa. “Por que eu não arrumei essa droga de quarto?”, foi o que pensei enquanto imaginários olhos me julgavam.

Eu não conseguia me mexer. Meu corpo respondia perfeitamente, na verdade. O problema é que eu não tinha motivação nem para sair da cama e guardar um casaco que continuava a me olhar de um jeito estranho. Vozes conversavam entre si enquanto isso. Não sei quando que peguei no sono. Não sei quando que acordei. Será que importa? Hoje em dia é tão difícil dizer o que é realidade e o que a gente quer que seja mentira.

Carros passavam por mim na rua, mas eu não saberia dizer pra que lado estavam indo. Para frente, para trás, para cima, para baixo. Não importa.

Nada disso importa.

Eu não sei para onde estou indo, nem quando vou chegar lá. Não sei se vou gostar, ou se vou odiar que esse foi o caminho em que terminei. Destino ou escolhas, tem diferença? É claro que tem. Mas se isso é verdade, então por que parece que sempre acabamos nos decepcionando com onde vamos parar? Quando é que algo vai nos deixar satisfeito, e nos permitir ter uma noite tranquila de sono, sem que tenhamos que nos preocupar em qual direção os carros vão seguir no próximo dia?

Nunca.

Nada vai trazer aquilo que buscamos enquanto estivermos vivos. Felicidade? Paz? Amor, dinheiro, saúde, o que nós realmente queremos? Quando é que o desejo e a vontade param de nos comandar no dia a dia?

Nunca.

Imagine a si mesmo tendo tudo aquilo que deseja: família, o emprego dos sonhos e uma casa no mais belo bairro. E agora? O que vem agora? A vida começa a parecer a mesma, e nada muda. Todos seus dias seriam os mesmos. Assim como os meus. Observando carros que não sabemos pra onde vão, mas sentindo exatamente o mesmo vazio. Nada disso importa? Talvez eu esteja errado. Talvez essa busca por felicidade, amor, paz, ou até mesmo por uma noite tranquila de sono, seja o motivo pelo qual estamos aqui. E é também o motivo pelo qual vamos morrer aqui.

O teto me encara de volta, e o sol bate no rosto. Quando foi que eu dormi? Quando foi que eu acordei? Não sei. Se isso é realidade ou não, pouco importa, preciso me preparar para mais um dia. Tenho uma vida a viver, e um caminho a seguir. Um caminho que eu mesmo escolhi, mas que também é meu destino. Irônico. Eu sei onde quero chegar, mas não sei onde vou chegar. Talvez essa seja a graça. Eu sei o que quero, mas não sei o que mereço. E muito menos o que ganharei. Não sei o que vem depois de tudo isso, mas deixo ao tempo para responder essa pergunta.

O casaco está em cima da cadeira. “Ainda bem que deixei ele aqui, fica mais fácil de achar”, eu penso. E penso, e repenso. Mais um dia. Menos um dia. E eu ainda não sei para onde vão esses carros.

Bernardo Kleber
Enviado por Bernardo Kleber em 03/07/2019
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