Pôr do sol, em um lugar qualquer

Pôr do sol, em um lugar qualquer

Às vezes é necessário dar voz aquilo que não tem voz, para que se possa saber do mundo que está a ser! A natureza entre fauna e flora, as rochas que se banham ao sol ou tomam espaço à sombra, servindo de abrigo a fungos, aos objetos diversos do cotidiano humano, enfim. Tudo isso tem algo a dizer, foi testemunho, está carregado de memória. E, neste mundo tão cheio de coisas e necessidades, é ele, o poeta, que eventualmente abre a alma e se comunica com tudo. Este rascunho de história que vou contar a vocês é sobre isso, o poeta e as vozes que falam por ele, para ele e, do mundo trazem lições a serem compartilhadas. É o poeta quem as compartilha.

Era fim de tarde, inverno, tempo sem chuvas. Horário ruim para dirigir, lusco-fusco, definem com essa composta palavra estranha.

"Hora de acender os faróis", pensou rapidamente enquanto movia a haste que dava o comando. "Luzes acesas, não ajudou muito, esse horário é ruim! Estou no meio do nada, às cegas! A hora que tomar aquela curva adiante vai piorar, os últimos raios do sol vão me golpear!", ranzinzou, sozinho. Já dirigia há horas.

Mais alguns metros na direção, quase um quilômetro na verdade, e entra na curva, de tantas outras pelas quais passou na vida, agora atingindo um plano e nos limites da estrada dava para ver longe. Arregala os olhos ao encerrar a curva, diante do plano relevo e reta da estrada que se lhe mostravam.

"Uau!!! Eis uma daquelas coisas que nunca mais irá se repetir!", pensou exclamando, parando o carro no esguio acostamento, quase coberto de mato, olhando atentamente para o que via, impressionado com a beleza daquele lapso de tempo pintado que lhe tocava os olhos e atingia profundamente o coração. Desligou o carro, os faróis, soltou o cinto de segurança e tomou em mãos sua térmica cheia de água quente e sua cafeteira portátil, já com o pó e rapidamente desceu do carro, encostando no capo enquanto passava seu café sem tirar os olhos da paisagem.

"Eis um lapso de beleza, que tão poucos conseguem observar no seu cotidiano corrido e despreocupado em olhar para o céu! O belo parece não mais interessar e a tela do mundo, que exibe obras de arte todos os dias a quem queira ver, está ali, só para mim? Será que em algum lugar, aqui perto deste fim de mundo, alguém está dividindo comigo este olhar, este momento, irrepetível?" Pensou, enquanto já sentia o cheiro do seu café, pronto.

"Uau!!!" Exclamou, consigo, novamente. "Dá para ouvir as palavras da terra, do céu, do sol, das poucas e dispersas nuvens e até da poeira avermelhada espalhada pelo ar, a mesma que me faz coçar a garganta, olhos e nariz em alergia. Mas aqui, me dizem do instante, da importância de parar para ver momentos como este, de estar só e olhar entre o interior e exterior de si próprio e jogar-se no mundo, diluir-se na paisagem. Que lição me dá este pôr do sol! Sou insignificante, sou passagem, sou indigente neste mundo...mas, estou privilegiado neste momento diante do que estou vendo! Do que ouço e distingo nas vozes da paisagem, confusas mensagens, que se constroem em sentido para mim!" Divagou, enquanto levava o café a boca, tomando cuidado para não queimar a língua.

"Vou tentar uma foto, acho que meu celular dá conta! Bom, vou tentar! Se sair ruim, fica a memória do que vi, o sentimento do que ouvi, neste instante!" Pensou, tirando o smartphone do bolso, olhando o horário e abrindo o aplicativo da câmera. Eram 16h48, anoitece cedo por essas paragens e tem a questão do fuso, na beira do cerrado. "Menos efeitos, mais naturalidade, isso, é esta a configuração para a foto, lá vai!" Tirou uma única foto. "Ah! Ficou boa! Perfeita, como a paisagem!" Pensou olhando a foto, travando o celular e devolvendo-o ao bolso. Mas voltou rapidamente os olhos para a paisagem e continuou o café. Fazia silêncio, não tinha vento algum. Ouviam-se apenas os risos distantes de alguma seriema que talvez olhasse para o mesmo que ele e se regozijasse do que via, algum bem-te-vi, ali próximo, cantando para o fim do dia e mais algumas aves que não conseguiu identificar. Nenhum carro à vista. Apenas as vozes da natureza e seus pensamentos em diálogo com a paisagem, com o pôr do sol.

"Parece uma mistura de rosa, com marrom, com amarelado, com avermelhado, com preto. Nenhuma cor se define precisamente, como definir isso em palavras? Ainda bem que tirei a foto, para guardar". Considerou, tentando decodificar as cores que assistia. "Luzes fracas, cores fortes, paradoxo que só quando o Sol deita no horizonte pode acontecer! Aliás, apenas luz, o sol já não está ali mais aos meus olhos, considerando o tempo que seus raios demoram para chegar à minha visão". Continuou, pensativo sobre as cores e a luz e o efeito astronômico de ilusão que se molda a cada dia que termina entre o Sol e a Terra.

Tomou o celular novamente, para ver o horário. Eram 16h49. "Está escurecendo, de fato. Entre parar o carro e colocar-me diante da paisagem não transcorreram quatro minutos. Um espetáculo, diálogo com o mundo, lições da paisagem e ainda um café! Uau!" Exclamou vitorioso por ter feito esta breve parada. "Bom, voltar para a estrada, mais duas horas de viagem ainda pela frente".

Entrou no carro, preparou-se para retomar a estrada, deu seta para a esquerda, mas antes de avançar pegou novamente o celular para olhar a foto que tirou da paisagem com o pôr do sol. "Que maravilha! Impressionante! Estou feliz! Tenho o registro de tudo isso". Franziu as sobrancelhas e cofiou o bigode, decidindo por apagar a foto. Por que ele apagou? Parece ter aprendido alguma coisa em seu diálogo com a paisagem, parece ter compreendido o que significa o instante.

Podem querer me fazer uma pergunta, sobre como sei disso tudo! Não vi a foto, foi apagada. Talvez seja eu, então, o poeta! Ou, talvez, ele próprio tenha me ensinado esta lição, pela poesia, que aqui narro! Ou ainda, talvez, todos sejamos ele, porém nem sempre nos damos a devida chance para que ele fale através de nós! Sejamos instantes, irrepetíveis.

Heródoto Poeta
Enviado por Heródoto Poeta em 02/07/2019
Código do texto: T6686500
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