Conto das terças-feiras – O fiscal de gafieira
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 2 de julho de 2019
Na década de 1960, Fortaleza era considerada a cidade dos clubes elegantes, havia quase dez. A maioria estava localizada na orla marítima, sendo os principais o Ideal Clube, fechado e frequentado pela elite fortalezense e o Náutico Atlético Cearense, com sede na Praia de Iracema, inaugurado em 1948, projeto do arquiteto húngaro Emílio Hinko, tombado há algum tempo pelo município de Fortaleza como Patrimônio Arquitetônico Social. Nessa sede aconteciam os principais eventos socioculturais e esportivos da cidade, tais como os concursos de Miss Ceará, bailes de carnaval, festas de colação de grau, torneios de tênis, competições de natação etc.
Considerado de frequência da classe média de Fortaleza, com sede localizada na Praia de Iracema, o Comercial Clube se destacava pela clientela das mais diversas origens, como comerciantes, comerciários, professores e outros profissionais liberais. Suas atividades se resumiam em tertúlias dançantes, principalmente aos domingos, que tinham início às 10 horas e término às 16 horas. Por ficar em frente à praia, seus frequentadores preferiam primeiro o banho de mar, para depois bailarem no imenso salão do clube, ao som do Ivanildo e sua orquestra. Algumas vezes aconteciam os bailes noturnos, no carnaval e em festas de término de curso dos fortalezenses.
Era exatamente nessas ocasiões que aparecia a figura do zeloso diretor, apelidado jocosamente como fiscal de gafieira - “baile popular, de entrada paga e frequentado por pessoas de baixo poder econômico”. Em nome da moral e dos bons costumes, esse senhor ficava vigiando o salão para coibir qualquer tentativa de maior aproximação – agarramento – de casais de dançarinos. Qualquer deslize vinha a advertência, à insistência, o par era solicitado a se retirar do salão, por atos lascivos. Ele era implacável, mas admirado por aqueles mais puritanos.
A ocorrência mais insólita aconteceu no baile de aniversário do clube. Durante a sua inspeção, pelos arredores do salão, o tal diretor presenciou um casal dançando exageradamente agarrado, às vezes em beijos de cinema. Na primeira passada o diretor apenas fez sinal para que os dois se afastassem o que não foi obedecido. Não se dando por vencido ele tirou sua esposa para dançar e, chegando próximo ao casal, solicitou mais decência no dançar. Os dois não deram ouvidos ao chato senhor. Eles não sabiam que o importuno era diretor do clube e implacável defensor da moralidade do ambiente. Ao ouvido do homem dançarino foi dito:
— Se vocês não se comportarem, vou mandar retirá-los do salão.
— Não estamos fazendo nada demais – disse o dançarino já irritado.
Percebendo que seus argumentos não convenciam o casal, procurou o segurança do clube e relatou o fato. Ele mesmo não teria condições de realizar o serviço do segurança, pois o seu adversário na contenda verbal era bem mais forte.
O segurança, por ordem do fiscal de gafieira, aproximou-se do casal, segurou o rapaz pelo braço e, delicadamente, foi empurrando-o com a barriga para fora do salão. Fez isso com a maior discrição possível, para não despertar a curiosidade dos demais dançantes. O rapaz não mostrou resistência, o outro homem era bem mais forte que ele. A moça, calada, o acompanhou.
Já fora do salão, em local reservado, os três homens e a mulher negociavam aquela situação.
— Gente, não é o que vocês estão pensando. Não estávamos fazendo nada demais, vociferava o dançarino.
— E aquelas indecências que vocês estavam fazendo? Perguntou o diretor, agora mais confiante pela presença do segurança, que apenas observava.
— Beijar uma mulher não tem nada de indecente, o senhor é que tem a mente poluída, completou o rapaz.
Nessa hora o segurança se intrometeu:
— Respeite o diretor, ele apenas está zelando pelos bons costumes, concluiu o leão de chácara do clube.
— Mas esta mulher é minha esposa, estamos em Fortaleza em lua de mel!
— Vocês não vão querer que o clube disponibilize uma cama, não é mesmo? - falou asperamente o diretor.
O tempo fechou, o casal foi posto para fora do clube aos aplausos de alguns frequentadores. Pouca gente ficou sabendo do ocorrido naquela noite, mas a decência e os bons costumes foram mantidos.