ENTRE O HOSPITAL E O CEMITÉRIO
Laura olhou através da janela do seu quarto de hospital e viu o céu azul com pouquíssimas nuvens brancas. Sentiu escorrer pela sua face algumas lágrimas de arrependimento apesar de já ser muito tarde, mas estava tranqüila, nada de desespero, sabia que a sua situação não era nada boa e também não esperava nenhum milagre. A vida já havia lhe proporcionado dias de glórias, teve momentos de felicidades, teve uma vida saudável, amou, só não constituiu família apesar de estar bem financeiramente, porém dinheiro não é tudo e não compra felicidade e muito menos saúde. Não chegou a se aposentar no trabalho por conta da doença que a surpreendeu no auge dos seus quarenta e cinco anos, como irmã mais velha entre cinco irmãos, dava um certo respaldo financeiro a família, que lamentava muito o seu estado de saúde, situação agora irreversível. As nuvens passavam lentamente e a sua retina ia armazenando aquelas imagens no céu, ao seu redor alguns familiares, todos conscientes do seu quadro e surpresos pela sua aceitação da doença. Laura ria, conversava animadamente e até tranquilizava a todos em relação a ela, não queria ver ninguém triste apesar do clima ser bastante tenso.
Era um dia quente de verão quando Laura saiu de casa meio esbaforida, tinha acabado de receber uma ligação no seu celular, em seu carro chegou rapidamente em uma praça e percebeu seu namorado com outra, a discussão foi grande mas os ânimos se acalmaram alí mesmo depois de uns tapas prá cá e outros prá lá. Fábio era o traidor, a desconhecida, em prantos, saiu junto com ele e Laura voltou chorando para casa. A partir desse momento ela tornou-se outra, arranjou logo uma paquera e passou a freqüentar as diversões noturnas, não se apegava a ninguém, era completamente diferente dos irmãos. Com pouco mais de trinta anos e com um emprego garantido em um órgão do governo, Laura não perdia tempo na vida, viu em si própria a segurança que precisava para o futuro, homem nenhum lhe prometia nada e o que ganhava dava muito bem para enfrentar a vida. Seu único mal era a bebida em demasia e o vício do cigarro, além de noites em claro e um ritmo de orgia que mais cedo ou mais tarde faria seu corpo não agüentar mais, apesar dos conselhos que recebia da família e de alguns amigos.
O tempo passou e nossa personagem não mudava em nada, parecia elétrica e fazia inveja a muitos da sua idade que não mais se divertiam assim. Já estava com mais de quarenta anos e nunca pensou em arranjar um par perfeito para formar uma família, se habituara nesse ritmo frenético e até então nada sentia de anormal com relação a sua saúde. Porém, numa certa manhã quando voltava para casa caminhando sentiu uma forte sensação de cansaço e caiu desfalecida, sendo amparada por pessoas que se encontravam no local, sendo conduzida para seu lar. No decorrer dos dias Laura continuou sentindo cansaço e foi orientada a procurar um médico, no que ela atendeu. Feitos os exames necessários ficou constatado que precisaria fazer uma cirurgia para implante de uma válvula no coração. No início isso a inquietou, pois foi informada que teria de abandonar os seus dois vícios, a bebida e o cigarro, o que a deixou bastante transtornada, mas como a saúde estava em primeiro lugar ela se viu na obrigação de atender as determinações médicas.
Algum tempo depois ela teve que voltar ao hospital para o implante da válvula no coração, o que foi feito com sucesso. Mais alguns dias se passaram e Laura foi cientificada pelos médicos de uma inflamação no pulmão, fato que a deixou tensa e preocupada. A partir daí passou a ser tratada contra esse mal, ficou internada por cerca de três meses, quando enfim voltou para casa sem no entanto abandonar o tratamento que seria constante até o final de sua vida. Seu dia a dia mudou completamente, passou a ter uma atenção especial no tocante a alimentação e administração de medicamentos.
Passou pouco menos de seis meses em casa, teve que retornar ao hospital para um acompanhamento médico mais apropriado, porém ela já aceitava passivamente sua nova situação, sabia que passava por isso por conta do tipo de vida que levara e sem considerar os conselhos que recebia. Ficou mais de seis meses em um quarto de hospital sob tratamento contínuo, praticamente morava no hospital.
Aquelas nuvens brancas no céu azul eram a única visão que Laura tinha do mundo exterior, a elas dirigia sempre suas súplicas e preces, pedia para que quando dalí saísse fosse para um lugar onde houvesse tranqüilidade para sua alma, o corpo sabia que iria para o cemitério onde repousaria até sua total decomposição e foi exatamente o que aconteceu.