PERSONA NON GRATA

A tarde fria e chuvosa trazia um silêncio que mais parecia um lamento, apenas o som de arvores sendo balançadas pelo vento eram ouvidas na rua New Orleans, na altura do n° 400. Filipe, um homem de 36 anos, morador de rua há 3 anos recostou-se a entrada de uma garagem que era protegida por uma cobertura, por um instante percebeu a chuva aumentar e decidiu ficar ali alguns minutos.

A rua larga e espaçosa era ladeada por arvores grandes, ao longe percebeu que um taxi encostara na rua, em frente a um portão alto, o qual abriu-se com certa violência, um homem vociferava ameaças contra um senhor que estacou diante do portão alto, segurando um guarda chuvas. O velho tinha algumas moedas douradas na mão e parecia calmo. Filipe olhava com certa discrição a discussão, o homem guardou algumas coisas no carro e por fim disse:

- Seu velho infame, isso não vai ficar assim!

Após o carro iniciar a saída, ao passar por ele, o homem cuspiu no chão próximo a Filipe que baixou a cabeça, o velho veio em sua direção após a partida do carro.

- Hei você, o que faz aqui? Filipe ficou sem palavras, mas disse por fim:

-B-bem eu vou em direção ao centro, passar a noite no abrigo da cidade, sou morador de rua. O velho limpou a garganta.

- Espero que tenha entendido que aqui tú és persona non grata, entendes o que é isso?

-Sim senhor- tornou Filipe cabisbaixo- Bem, só vou aguardar a chuva aliviar um pouco e já saio, prometo.

O velho deu-lhe as costas e saiu, entrou no seu portão trancando-o. Filipe sentia fome e frio, mas aquilo era algo que o fizera refletir, ser persona non grata apenas pela sua aparência, aquilo tinha que mudar um dia.

Após alguns minutos a chuva diminuiu e ele saiu, sentiu-se um pouco zonzo e ao passar em frente ao portão percebeu uma luz dourada luzir, era uma moeda caída na calçada, logo raciocinou que só poderia ser do velho, contemplou-a rapidamente, as inscrições eram de uma lingua que ele não compreendia, mas certamente devia valer um bom dinheiro.

Sendo assim, sorriu e saiu rumo ao centro.

Naquela noite no abrigo, Filipe mensurava sobre o ocorrido enquanto tomava um prato de sopa quente, sacou a moeda do bolso, e pelo relevo ao fundo da moeda não pôde identificar sua origem, havia uma imagem desgastada e difusa no fundo e algumas inscrições na frente.

- Parece bem antiga, vou conseguir uma boa grana com isso... pensava enquanto lembrava amargamente de sua separação, sua esposa o abandonara levando tudo que tinham juntado e desgostoso com a vida, tempos depois, ele passou a viver na rua.

Entrementes, na casa do velho, ele contava pela 10° vez suas moedas:

- Que lástima! - gritou inconformado. Sua filha perguntou:

- Que houve Papi?

-Minha coleção de moedas, besantes do império bizantino, perdi a de n°8, ou será que foi aquele homem, seu namorado que a roubou?

-Ora Papi, ele não é mais meu namorado e acho que não faria isso! Ou será que foi o seu ex-gerente que saiu bravo hoje a tarde hein?

-É mesmo? Hum... Pode ser, melhor procurar antes de acusar, talvez tenha caído em algum lugar. Bem de uma forma ou de outra terei de encontra-la, já lancei a coleção que irá a leilão na sexta feira, é uma coleção rara e caríssima, mas terei que desfazer-me dela em razão de necessidades...

-O senhor vai sair dessa Papi, nossa indústria irá reagir.

-É muito difícil, preciso de pessoas de confiança e não tenho encontrado, difícil é encontrar alguém de confiança ultimamente, mas bem, agora tenho que achar esta bendita moeda!...

Mais tarde em sua cama Filipe voltou a remexer o bolso, sacou a moeda e ficou lembrando das palavras do velho: - Persona non grata...

Algo crescendo no coração. Levantou-se e resolveu sair, já eram cerca de 22 horas. A mulher do abrigo ralhou: -Se não voltar até as 24 horas passará a noite na rua!

Algum tempo depois, na rua New Orleans algo estranho aconteceu na casa de n° 400 quando a luz da casa do velho se apagou, em seguida ao primeiro choque, ele ergueu-se do sofá onde estava impaciente ao ver que alguém forçava a porta... Já eram quase 23 horas e sua filha ligou uma lanterna, nesse momento ouviu-se uma pancada forte na porta, ela se abriu...

Alguém usando um capuz entrou com uma arma na mão, subjugando o velho o amarrou e deixou-o próximo ao sofá, sua filha parecia ter fugido. Após pegar algumas coisas de valor ele disse ao velho:

-Bem, agora vou fazer que você pague por tudo que me fez seu velho asqueroso! Mirou-lhe a arma na cabeça, o velho apenas suspirava, ele disse novamente, olhe aqui nos meus olhos, você sabe quem sou? Nesse momento ele tirou o capuz, os olhos do velho pareciam se alargar.

-Bem, agora se despeça seu infeliz...

Nesse momento um pedaço grande de madeira entrou pela porta, acertando em cheio a cabeça do homem com o revólver, alguém correu rápido e pegou a arma, dizendo:

- Sua mãe nunca lhe ensinou a ser gentil com os mais velhos?

O velho perguntou gaguejante:

- Q-Quem é você que me s-salvou? Ao que o homem lhe disse:

-Persona non grata senhor! Apenas uma Persona non grata! Vi o portão aberto e a situação suspeita e tomei a licença de entrar.

...

Após a polícia levar o homem que agredira o velho, o qual lhe prometera no mesmo dia vingança, o velho olhou para Filipe:

-Sou-lhe muito grato por tudo, poderia lhe pagar algo se quiser... mas porque voltou aqui?

-Não quero seu dinheiro- disse Filipe- Tome isto, vim aqui trazer-lhe esta moeda que encontrei no seu portão, sei que deve ser muito valiosa ao senhor.

O velho ficou petrificado enquanto sua filha voltava com um suco para ambos, o velho então disse:

- Jovem, me perdoe por minha estupidez, vejo que és um bom homem, gostaria de trabalhar comigo na minha empresa?

Felipe sorriu com a nova oportunidade:

- Agora confias em mim? Não sou mais persona non grata? Percebeste que por aparências não podes julgar alguém?

- S-sim rapaz - gaguejou o velho- Você me surpreendeu, realmente as aparências enganam e sei bem disto, lidei com homens que pensava serem pessoas leais e sempre me dei mal com eles, mas você me mostrou uma outra face, creio que ainda podemos confiar nas pessoas, bem minha proposta está de pé, o que acha?

Filipe olhou no relógio, eram 11:42.

- Preciso ir embora, o abrigo fecha a meia noite em ponto, prazer senhor!

Filipe saiu apressadamente em direção ao abrigo, o velho disse a filha:

- Você está vendo isso? Nem em sonhos eu imaginaria tal coisa, pegue o carro, vamos sair!

Momentos depois, próximo ao abrigo, Filipe viu o relógio da igreja, eram 11:56 da noite, sôfrego chegou até a calçada, alguém estava na porta.

- O senhor? - disse Filipe surpreso, o que deseja agora?

- Você me deixou sem resposta... Ninguém nunca fez isto.

-Ah e por isso ficastes perturbado? -sorriu Filipe

-Vamos jovem, me diga, aceitas minha proposta?

Filipe abriu um sorriso:

- No momento tudo que preciso é obedecer ordens, falta 1 minuto pro abrigo fechar, até mais senhor...

Filipe passou por ele, numa ultima tentativa o velho falou:

- Venha falar comigo amanhã, eu o aguardo, você é um homem honrado. Boa noite!

Filipe balançou a cabeça e disse:

- Vou pensar senhor, vou pensar...

Fim.