SONHO REALIZADO
(Continuação de CABANA)
Quase seis da tarde, minha mulher e eu, estamos sentados na varanda acompanhando o voo das jataís e esperando que os últimos raios do sol desapareçam no horizonte para realçar a beleza da lua crescente.
Hoje ou amanhã, não sei direito, completam-se seis meses desde aquele dia em que estivemos em nosso lote de terreno pela primeira vez, acompanhados pelo solícito corretor dono do bugre que ficou patinando no lamaçal sem conseguir subir a ladeira.
As condições desfavoráveis foram nossas companheiras durante todo esse tempo, mas como somos teimosos, conseguimos fazer a cabana dos nossos sonhos.
É construção rústica, minúscula diante dos casarões que “nasceram” no loteamento, entretanto mais do que suficiente para satisfazer às nossas necessidades e já se tornou ponto turístico se considerarmos o número de visitantes que temos diariamente querendo saber os detalhes da construção e bater vários dedos de prosa enquanto comemos pão de queijo com café, chá de hibisco ou chimarrão.
Para demarcar os limites do terreno, à guisa de cerca viva, plantamos em linha mais ou menos reta, centenas de pés de hibiscos de diversas cores e formatos, sobre o arco da porteira feito com três mourões de aroeira, fizemos um caramanchão com bouganville roxo e para que dure mais de cem anos, apesar da aroeira ser madeira de dar em doido, carbonizamos os troncos com maçarico e isolamos com piche os pedaços enterrados.
Sem precisar derrubar nenhuma árvore, marcamos a área de 3 x 3,5 metros, fincamos estacas de concreto com sapatas nos quatro cantos, niveladas com 3 metros de altura e fizemos a ligação entre elas com vigas.
Além das telhas canal e os pregos, esses foram os únicos elementos pré-fabricados da construção.
Munido com pá e carriola de mão, percorri os lotes dos meus vizinhos recolhendo as pedras e o barro que eles queriam dar fim.
Com as pedras maiores fizemos a base da cabana e da varanda com uns 50 cm de altura e enchemos com o barro que transportamos com a carriola e fomos socando aos poucos com um batedor que fizemos de um pedaço de dormente de linha férrea que deve pesar mais de 10 quilos com o cabo de cano de ferro instalado no meio dele.
Ganhamos com essa operação belíssimos calos nas duas mãos.
Rejuntando as pedras menores com a tradicional e multimilenar receita dos babilônios que consiste em amassar com os pés o barro vermelhão, mais palha seca picada e água, erguemos as paredes, sendo as laterais até o topo das estacas e as da frente e fundos com formato de triângulo acima da viga para sustentar as duas águas do telhado a partir da cumeeira.
Com estroncas e varinhas de faxina montamos o telhado da cabana e da varanda.
O barro do piso, batido e alisado com desempoladeira molhada, depois de seco, ficou parecendo cimento queimado.
Com tábuas de pinho descartadas das demais construções, fizemos além dos caixilhos, a porta, as duas janelas, armário, prateleiras, mesa e bancos.
Para economizar espaço, montamos a mesa em volta da estronca de sustentação da cumeeira no meio da cabana.
Para evitar a fumaça por dentro da casa, construímos o fogão a lenha na varanda, com um bom forno.
A cama e os cadeirões da varanda foram feitos com pallets apanhados no lixão e com dois fardos de feno para cavalo e seis sacos de açúcar fizemos o colchão para nossa cama.
A energia é utilizada apenas no chuveiro elétrico e liquidificador, mas para não dizerem que somos radicais metidos à merda, temos uma lâmpada bem forte no meio da cabana e outra na porteira, porém nunca são ligadas.
Nossa iluminação é feita por lampião a querosene e nosso abastecimento de madeira para o fogão é pelo fornecedor das pizzarias da região.
Dia desses, quando estávamos cuidando da horta, um jovem casal (desse pessoal cheio de piercing, tatuagens e orelhas com brincos tipo cacique Raoni) veio nos pedir ajuda para construir cabana semelhante aonde pretendem morar.
Vamos ter mais um bocado de trabalho duro pela frente...
GLOSSÁRIO
Vara de faxina – vara fina de madeira utilizada para fazer cerca.