Lágrimas de São João
Eram os anos sessenta. A noite de junho gelada, de céu limpo e estrelado, prometia geada, e muita festa também.Na roça tinha-se a tradição das grandes festas juninas de Santo Antonio, São João e São Pedro. Os colonos italianos mantinham essa celebração cristã- pagã, à risca, com reza de terços, mastros do Santo, fogueiras, danças e muita festança em honra aos Antonios, Joãos e Pedros das famílias.Era véspera de São João. Meu tio Zezinho, irmão da minha mãe, que morava na cidade, chegara naquele ano, à tardezinha, quando o sol se punha e a lua majestosa, de vestes douradas, nascia gigantesca atrás das colinas. Vieram todos no Jeep verde: tia Alzira, Joel, Dile, Arlete, Adilson, e um monte de fogos de artifício: traque, rojão, buscapé, balões, chuva de lágrimas e tantos outros artefatos juninos que divertiam as crianças e adultos, e tornavam a noite escura ainda mais iluminada. No terreiro do sítio da Dona Assunta, esposa do Sr Argemiro Terciotti, devia ter João no nome, decorado com bandeirinhas coloridas, folhas de coqueiros ,rosas de crepom amarelo, vermelho, azul, roxo , o mastro de São Joao brilhava sob a luz amarela dos milhões de estrelas no céu. O sanfoneiro, um Senhor baixinho, de pele morena, chapéu de feltro na cabeça, não cochilava, e tocava alto sua sanfona de oitenta baixos, acompanhado do Sr Edgar com seu velho e ligeiro violão Gianinni .Tocava-se forró, baião, sertanejo, carimbó, e a rapaziada arrastava o pé pelo chão pisado de cimento, sem parar, até amanhecer o dia e a fogueira virar cinza. Não sobrava um no banco. Dali, nasciam juras de amor, namoros e até casamentos. Os adultos esqueciam da ameaça de geada. Tudo regado a anisete, quentão , pipoca, paçoca , milho e batata doce assados na brasa do fogo crepitante da fogueira no quintal, onde a criançada se divertia com os fogos e buscapés. Em meio a tanta alegria, sempre aconteciam os acidentes indesejados também. Ainda me lembro, minha prima Arlete, entusiasmada com as estrelinhas da chuva de prata, ao girar o fósforo grande no ar, deixou que as lágrimas caíssem em seus olhos arregaladoss de alegria... ali terminaria sua noite, e a noite de todos nós. . Nada a consolava. As lágrimas jorravam em sua face antes tão cheia de encantamento com a festança. Então minha mãe, sempre generosa e prestativa, veio com os unguentos, os benzimentos e reza para São João e, como em um passe de mágica, ou de muita fé, logo estava a menina cheia de alegria novamente. Não há dor que não passe nem olhos que não voltem a sorrir um dia. São João não deixaria uma criança triste. Passamos juntas ainda, muitas festas juninas na roça. Depois na cidade. Não se pode perder essa linda tradição de nossa cultura.
Benvinda Palma