Contos das terças-feiras – Estórias de uma república

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 18 de março de 2019.

Éramos sete rapazes, todos solteiros, vindos de diferentes Estados da Federação, trabalhando na mesma Instituição e morando em uma grande casa, a qual recebera o sugestivo nome de “República dos Inocentes”. Era o ano de 1967, eu acabara de chegar em Itabuna, Bahia, o país vivia sob o regime militar, o presidente era o Gal. Costa e Silva, ano de promulgação da sexta Constituição Brasileira referendada pelo Congresso Nacional, da criação do Conselho de Segurança Nacional, da instalação do sistema de discagem telefônica direta a distância (DDD), das transmissões de TV em âmbito nacional, as transmissões internacionais (via satélite), da televisão em cores e a discagem direta internacional (DDI). Reinava o progresso, mas também recrudescia a violência dos atos terroristas, e a repressão violenta por parte do regime instalado.

Todos esses movimentos políticos não quebravam a harmonia que reinava em nossa República. Estávamos satisfeitos por viver ali, trabalhar pela recuperação da lavoura cacaueira da Bahia e, consequentemente, do Brasil. Éramos jovens, com vontade de trabalhar e de nos firmarmos profissionalmente. Entre os sete ocupantes da República havia engenheiros agrônomos, a maioria, administrador de empresa, químico, sociólogo e engenheiro florestal.

Itabuna era uma ilha de prosperidade e de calmaria. Não chegava até nós os protestos políticos, os atos de terrorismo e o revide do poder estabelecido. O lema da Região Cacaueira era “Você pode e deve adubar” as roças de cacau, em busca de maior produtividade dessa lavoura. Os resultados começavam a aparecer. Aos poucos eram colhidas mais arrobas de cacau, os fazendeiros sorriam, o número de pessoas ligadas ao cultivo aumentava, havia pleno emprego, era tempo de paz e contentamento, de bem-estar.

Em nossa República alguns tinham suas obrigações: fazer o mercado, fazer os pagamentos, convocar pessoas para realizar os serviços de limpeza, hidráulicos, elétricos e obras em geral. Havia um presidente, um tesoureiro e um moderador, para dirimir pequenos conflitos. Havia também a cozinheira e seus dois filhos crianças.

Certo dia o chuveiro queimou e foi necessário trocá-lo por outro. Um novo foi instalado por um eletricista, não conhecido da turma, pois o que prestava serviço para a República estava doente. Desse episódio surgiu uma desavença entre dois colegas. Um a dizer que o chuveiro não esquentava que era preciso trocar. O outro alegava exatamente o contrário, ele esquentava até demais, pois era novo. A conversa entre eles, durante o nosso café da manhã, rolou como segue:

— Devemos trocar o chuveiro novo, estamos no período de frio e eu não consigo tomar banho com a água fria, dizia um deles.

O antagônico do primeiro ponderou:

— Deixa de ser encrenqueiro, o chuveiro está esquentando bem, você quer é criar polêmica.

— Para mim ele não esquenta hoje mesmo eu vou à loja trocá-lo.

Ficaram assim discutindo, se esquentava ou não, durante mais de 30 minutos. Nós outros republicanos só olhávamos. Não queríamos tomar partido, eles se davam muito bem, aquilo era só uma pequena desavença, pura bobagem.

De repente um deles se levantou e proclamou:

— Já descobri qual é o problema, você é tão baixinho que quando a água chega lá embaixo, já está fria.

O referente também se levantou, jogou a sua cadeira longe e saiu resmungando. Prendemos os nossos risos para não machucar o colega zangado. Nunca mais os dois se falaram. Foi uma lástima, pois eles sempre saiam juntos para as festas e para paquerar as garotas nativas, na pracinha. Eles até tinham um apelido “o ponto de exclamação e a vírgula”.

Um esclarecimento necessário, um deles media um metro e noventa e cinco centímetros, o outro, um metro e cinquenta e cinco centímetros.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 18/06/2019
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