1111-CICLISTAS ENSANDECIDOS

Manhã de pleno sol na cidade de Vento Leve. Uma brisa fria amenizava o calor, tornando agradável a manhã de junho. Na avenida principal o trânsito era tranquilo: alguns carros iam ao centro, outros voltavam, obedecendo a mão e a contramão, marcadas por pequeno canteiro central, baixo e estreito. Transeuntes atravessavam a avenida e os motoristas dirigiam com cuidado.

Vieram três ciclistas pedalando furiosamente avenida afora, desviando-se de carros e transeuntes.

Três rapazes idênticos: magros, camisas prá fora das calças larga e de cintura baixa, bonés com as abas viradas prá trás. Soltavam gritinhos que incomodavam e apavoravam os transeuntes.

- IAAAAAAA

- UUUUUPA

Estariam apostando a ver quem pedalava mais rápido?

O velho Calimério atravessava a avenida saindo da pequena feira dos sábados de manhã, montada á margem da avenida. Na mão esquerda, uma sacola pequena que fazia seu corpo frágil vergar por um lado. Os poucos cabelo brancos agitavam-se pelo ventinho frio.

 De repente, vê a aproximação das bicicletas, em velocidade. Seus reflexos são lentos e inseguros, faz que vai para um lado, mas vai para o outro e confunde os ciclistas, que não conseguem desviar da frágil figura humana.

É apanhado em cheio pelo ciclista que vem no centro, e atirado para o lado, no que foi apanhado pelo ciclista da esquerda.

Os dois ciclistas caem com seus veículos. O terceiro ciclista para a alguns metros à frente e retorna ao local onde estão misturados, embolados no chão, os três corpos e as duas bicicletas.

Os adolescentes que atropelaram o velhinho levantam-se imediatamente, passam as mãos pela cabeça e pelo corpo, E imediatamente se dirigem ao velhinho, inerte no asfalto.

Sem qualquer motivo ou aviso, começam a chutar o velhinho, gritando palavrões.

—Velho safado.

— Este é procê aprendê.

—Toma! Toma!

Chutes e mais chutes acompanham cada xingamento.

O terceiro ciclista entra para pisar mais no velhinho.

Alguns homens, feirantes ou que por ali passaram, correram para apartar o que pensavam ser uma briga.

Ao verem que os três rapazes estavam massacrando o velho, os agarraram e aí, sim, começou uma briga feia. Um dos feirantes apanhou um pedaço de madeira na sua barraca e correu para a luta, malhando com força nas cabeças dos ciclistas. As quinas da madeira logo ficaram rubras de sangue.

A cena se tornou vermelha. Alguém arrastou o velho para fora do entrevero, deixando com outras pessoas que assistiam. Já estava morto.

O furor atingiu um clímax com o linchamento dos três. Jogaram as bicicletas e o pau ensanguentado sobre os corpos inertes.

No quê o carro da policia apontou no extremo da avenida, alguém gritou.

— Corre, gente, a policia...

Quando os guardas da pequena guarnição militar chegaram, todo mundo

envolvidos no linchamento já se escafedera.

Ninguém soube dizer o nome dos linchadores.

Dia seguinte, domingo radioso de sol e frescor. No velório do Cemitério Municipal o velho Calimério foi velado durante a noite e enterrado ás dez da manhã. Os três ciclistas foram enterrados às cinco da tarde, após o velório durante o dia, onde permaneceram os guardas da PM, vigilantes e observando todos que chegavam.

Como explicou o Encarregado do cemitério:

— Para evitar confusões, pois nos corpos dos ciclistas foram encontrados diversos saquinhos de cocaína. Eles iam fazer entregas. Todos “de menor”. Eram aviõezinhos.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 16 de maio de 2019.

Conto # 1.111 da série INFINITAS HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 11/06/2019
Código do texto: T6670217
Classificação de conteúdo: seguro