VIDAS CRUZADAS


Subitamente chega o inverno, trêmulo e gélido. Nuvens cinzas carregadas, desprendendo gotas grossas, chuva pesada, pelas ruas corre a enxurrada. Nos portes o bruxulear das lâmpadas antes de apagarem. O vento geme, como em lamento, universo imerso em mar sem ondas, nem espumas brancas, sem areias finas, mas poças d'água, que se formavam nas esquinas. Primeiro o estrondo, depois o clarear e o ruído a despertar, alguém que precisa de rimas para suas poesias, que necessita de uma coração ardente para amar.

O jovem Alexandre, traçou seus caminhos bem delineados, decidiu seguir a carreira médica, que tanto lhe atraía. Concluiu a faculdade muito cedo, pois era uma pessoa estudiosa e dedicada. Sensível de temperamento determinado, sempre considerou o que seu coração almejava . Era médico psiquiatra, especialidade médica que lida com a prevenção, atendimento, diagnóstico, tratamento e reabilitação das diferentes formas de sofrimentos mentais, sejam elas de cunho orgânico ou funcional, com manifestações psicológicas severas. Empenhava-se pelo alívio do sofrimento e o bem- estar psíquico de seus pacientes. Além disso, era grande apreciador das artes em geral, escrevia poesias em seu tempo livre.

O encanto pela poética surgiu de um relacionamento com uma jovem com idade semelhante. Ocasionalmente encontravam-se na livraria mais frequentada, próximo ao centro da pequena cidade, na qual os dois residiam. Samara, concluiu a faculdade de arquitetura, em uma grande metrópole, na qual residiu com uma família que a dotou logo após seu nascimento, Retornando à sua cidade natal, depois de concluir a faculdade, trabalhava em sua própria loja, fazendo projetos para sua cidade de origem e outras localidades da vizinhança, dessa forma, vivia muito bem financeiramente.

Apaixonada pela literatura, pela poesia, aproximou-se do jovem médico , numa tarde em que a livraria estava lotada e sem nenhuma mesa livre, para que ela pudesse sentar e ler algo tranquilamente. Alexandre, percebeu o embaraço da jovem ao vê-la de pé, percorrendo o olhar por todo o espaço à procura de um lugar. Próxima a ele, sentiu quando ela desequilibrou-se ao impacto de uma pessoa, com a mesma intenção que ela. Alexandre tocou seu braço para dar-lhe apoio e ela não se esborrachasse no chão.

A partir daquele dia, os dois jovens tornaram-se amigos e após alguns meses namorados. Era uma relação intensa, construtiva, porque eles dividiam conhecimentos em áreas diferentes, o que era uma fascinação para ambos. As poesias que Samara escrevia lhe encantavam, por esse motivo sentiu-se capaz de também compor. Os dois passaram a escrever sempre que possível e felizes faziam de seus versos, declarações apaixonantes a respeito do amor que os unia.

Samara, morava sozinha em um pequeno e agradável apartamento , próximo de algumas livrarias, padarias, praças arborizadas e um shopping, Independentemente de ser uma cidadezinha interiorana, o lugar havia tomado um impulso nas indústrias de calçados e o progresso evidenciava-se por toda parte. A jovem arquiteta era de um temperamento tranquilo, porém não se propunha a falar sobre sua família, Mantinha uma relação bem próxima, com uma amiga de infância grande aliada, aos seus projetos tanto profissionais como pessoais. Alexandre, pouco sabia sobre seus pais ou irmãos que possivelmente ela pudesse ter.

A primavera, chegou com uma explosão de aromas e cores. A brisa corria serena entre os jardins, prados, em todos os lugares havia um ressonância dos cantos dos pássaros. Naquela noite, Samara havia preparado um jantar, para que ela e seu amado, tivessem um momento prazeroso de intimidade e cumplicidade. Alexandre, chegou com um semblante triste, fato que imediatamente preocupou Samara. Perguntou-se instintivamente: - Estaria ele me atraindo?!. Tudo estava correndo tão bem. Entretanto repentinamente pensou o quanto estava sendo insegura. Quem sabe uma leitura de Rumi, o poeta e místico da dança e do amor, ou Os Rubaiyat de Omar Khyyam antes de ir para o leito lhe fizessem bem, lê-los seria um verdadeiro deleite para o espírito.

Após o jantar sentaram-se no confortável sofá da sala. Nesse momento Alexandre, baixa a cabeça e a coloca entre suas mãos. A jovem intrigada, pede que o namorado diga o que se passa. Alexandre relata, que em uma das clinicas, havia uma paciente por volta de seus 50 anos, cuja situação tocava-lhe de uma maneira muito especial. A paciente tinha um histórico inicial de uma somatizadora, ou seja, não havia nenhuma causa orgânica, mas emocional, apresentando dores de cabeça, tontura e acabou transformando-se em uma severa depressão, foi quando resolveu procurar um psiquiatra.

O episódio que transformou sua vida, não foi uma causa comum. Ao casar-se logo ficou gestante e seu parto foi difícil e a criança nasceu prematura. Logo após o nascimento, pede à enfermeira para colocar um par brincos em ouro, na criança. Ao receber alta do obstetra, percebe que a filha havia sumido. Ao chegar em casa nem marido, nem criança encontravam-se no lugar. Enfrentou dias pesarosos de procura e apreensão. Sem nenhum sucesso.

Os anos passaram-se, casou-se novamente , após três anos teve outra filha. Todavia, a sua doença emocional tinha altos e baixos. Na última consulta com seu médio, coincidentemente o namorado de Samara, a mulher confesso-lhe ter tentado o suicídio, pelo fato de sua segunda filha entregar nos braços da avó, uma menina com poucos meses de idade , alegando que não poderia ficar com a criança pois seu marido havia sido transferido e inicialmente não poderiam assumir a responsabilidade da própria filha. A sofrida mãe e avó recuou em seu desastroso intento por causa da criança. Após os episódios terem sido colocados para Samara, a paz tomou conta do ambiente. Não negligenciando o fato, o casal conversou trocando ideias e fazendo colocações relevantes, a ponto de deixar Alexandre mais tranquilo.

Abraçada ao namorado, Samara com olhos marejados, emocionada com o relato dos acontecimentos diz ao rapaz: - Aguarde-me um pouquinho vou até ao meu quarto. Ao retornar entrega ao moço uma caixa com um par de brincos e diz : - Até uma certa idade, ainda novinha, eu usava esses brincos e a família que adotou-me disse, foi-me dado em criança, por minha mãe segundo eles, antes dela falecer. Entregue os brincos a tal senhora, para que ela use na netinha, acho que isso a deixará feliz.


**Imagem do Google
**Depositphtos




 

Verdana Verdannis
Enviado por Verdana Verdannis em 09/06/2019
Reeditado em 18/10/2021
Código do texto: T6669064
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