ESPECTADORES
O primeiro a perceber a presença no alto do edifício foi um velho freguês da padaria da esquina do outro lado da rua. Todas as tardes, no início da hora do rush, ele ia tomar seu cafezinho e conversar com amigos, enquanto observava as pessoas voltando às suas casas, depois de mais um extenuante dia de trabalho. Com sua costumeira calma, via os transeuntes apressados, os automóveis buzinando na rua, olhava sem pressa o sol sumir no horizonte de tijolos e cimento daquele imenso aglomerado de prédios.
Por acaso e não mais que por acaso, olhou para o alto e viu a figura de um homem sentado à beira de um dos mais altos edifícios da redondeza. Embora à distância, notou que o tal homem vestia um elegante terno escuro, algo que chamou sua atenção. Tão bem vestido, não seria um funcionário de limpeza ou manutenção. Esqueceu-se do resto ao redor e fitou o homem com curiosidade. O que estaria fazendo ali?
O silêncio daquele senhor de riso fácil e prosa agradável, que naquele dia não dava atenção a ninguém e não parava de olhar para cima, despertou a curiosidade de outros fregueses da padaria, que também saíram para olhar para o alto. Logo, havia se formado um pequeno grupo. Outras pessoas, de outros pontos, viram o grupo olhando para o alto do prédio e também olharam para a mesma direção. Outros pequenos grupos se formaram. Todos debatendo a finalidade da presença do homem de terno sentado à beira do arranha-céu.
Lá de cima, o homem, mergulhado em pensamentos, demorou algum tempo para perceber que era observado pelas pessoas lá embaixo. Só se deu conta quando os grupos foram se aproximando e se aglomerando à porta do edifício. Estavam agitados. Alguns gritavam. Daquela altura, o som era ininteligível, mas percebia que eram gritos. Alheio à atenção que chamava, permaneceu sentado na beira do prédio, observando a cena.
Tirou o paletó, afrouxou a gravata, dobrou as mangas da camisa até a altura dos cotovelos. Levou a mão ao bolso da camisa e sacou um maço de cigarros. Levou um até a boca. Acendeu. Fitou novamente o horizonte, apreciando o calor da fumaça que enchia seus pulmões. Estava relaxado. Quase em transe. Foi interrompido de seu estado meditativo quando ouviu o som de sirenes se aproximando. Alguém chamou a polícia. Alguém chamou os bombeiros. O circo estava armado.
Lá embaixo a multidão de curiosos aumentou significativamente. Câmeras e celulares brilhavam apontados para o alto. A polícia pôs um cordão de isolamento. Os bombeiros debatiam uma estratégia. A imprensa também já estava no local. O homem percebeu a aproximação de um helicóptero nos arredores. Ainda que um pouco distante, pôde identificar a logomarca de uma emissora de TV estampada na lateral da aeronave. Olhou para o relógio. Pela hora, devia estar “ao vivo” no programa diário de notícias sensacionalistas do eloquente e mal educado apresentador. Tornara-se um astro.
Impassível, o homem permaneceu sentado. Acendeu outro cigarro. Observava atentamente o movimento criado em seu entorno. As pessoas estavam mais agitadas lá embaixo. O helicóptero aproximou-se um pouco mais. Agora já era possível ver o cameraman, o piloto e o repórter lá dentro. O homem reteve o cigarro na boca. Pegou sua pasta de couro encostada no beiral. Abriu-a. Retirou uma folha em branco e um pincel atômico. Utilizando a pasta como apoio, começou a escrever algo. “DIA RUIM”. Apontou a folha em direção ao helicóptero da TV. Manteve assim, por algum tempo. O helicóptero pairava a certa distância, mas o tamanho das letras possivelmente foi suficiente para a câmera captar a mensagem. Voltou a escrever. Agora do outro lado da folha. “DIA MUITO RUIM”. Apontou o papel novamente.
O celular tocou. O homem pôs a pasta e o papel de lado e retirou o aparelho do bolso. A folha voou. Visualizou a chamada. Não atendeu. Retirou outra folha da pasta. Voltou a escrever. Não apontou para a câmera do helicóptero imediatamente. Baixou as mangas da camisa, abotoou-as. Apertou a gravata. Vestiu o paletó. Pôs-se de pé no beiral. Lá embaixo a multidão observava atentamente. Em casa, os telespectadores da emissora também. Sentiam que o desfecho estava próximo. O homem olhou para baixo. Fitou a multidão. Viu que os bombeiros e a polícia movimentavam-se mais rapidamente. As pessoas estavam agitadas. Voltou-se para o helicóptero. Apontou o papel. E embora as letras estivessem um pouco menores, era legível o suficiente para identificar a frase através da lente profissional da câmera. “SÓ VIM FUMAR UM CIGARRO”. Virou-se para o terraço do prédio e pulou. Pegou a pasta no beiral e caminhou tranquilamente em direção à porta, indo embora, sem olhar para trás.