EURICO, O SEMINARISTA.

Eurico tinha treze janeiros quando disse ao pai que estava propenso a ingressar no seminário menor. -" Que diacho da moléstia é isso, Riquinho? Já é um coroinha, pra que vai querer ser um padréco???" Disse Seu Romário, setenta anos, enrolando um cigarro de palha. O velho e bom padre Olegário organizara um passeio ao seminário menor de Morrinhos. Os trinta e oito coroinhas da paróquia de Santana passariam um dia divertido e diferente. Pra começar, a maioria dos acólitos jamais havia andado de ônibus. A molecada fazia algazarra durante a viagem de cinquenta minutos pelas estradas de terra. -" Na volta estarão todos dormindo, graças a Deus!!!" Disse o sacerdote ao sacristão. Eurico estava eufórico. Olhava a paisagem pela janela do ônibus. Aquele seminário era enorme. Um prédio de três andares e um lindo jardim interno. Os coroinhas foram recebidos com festa e abraços pelos quarenta seminaristas menores. Após um farto e delicioso café da manhã no refeitório, seminaristas menores e coroinhas se reuniram na capela interna para a celebração da santa missa, presidida pelo reitor, padre Barreto. Os internos tinham um belíssimo e afinado coral de vozes. Cantavam em latim, acompanhados de um piano. Os visitantes conheceram as dependências do colégio diocesano. A cozinha, as salas de aula, as oficinas de artesanato, o teatro, o refeitório, o grande salão dormitório e sua infinita fileira de beliches, a sala de televisão, a sala de telefone, a biblioteca, a horta, a lavanderia, o pomar e o campo de futebol, ladeado por ipês amarelos. Os internos e os coroinhas participaram de várias gincanas. Duas peças de teatro foram encenadas: A vida de São Francisco e João e o pé de feijão. Eurico achou o máximo. Primeira vez que assistiu teatro. O almoço foi servido ao meio-dia. Eurico e seus amigos, Pedrinho e Marcelo, estranharam aquelas bolinhas pretas sobre o macarrão. -" Que esquisito!!! Vou comer isso não!!" Disse Eurico. -" Nunca comi isso!!!" Disse Marcelo. Alguns seminaristas menores riram da ingenuidade deles. -" Isso é almôndega, amigo. É de carne moída." Disse um garoto de doze anos, seminarista menor. Eurico espetou o garfo na bolinha de carne. Primeira vez que usava garfo e faca. A almôndega saltou do prato. Eurico a pegou como a agilidade de um gato. Respirou fundo e nem ligou para os risos dos amigos. Tentou e consegui cortar a almôndega. Uma garfada. Mastigou bem. Sentiu a maciez e sabor da carne com o molho de tomate. Eurico fechou os olhos. Que delícia!!!! Lamentou terem servido apenas duas almôndegas pra cada um!!! Gelatina e sorvete de sobremesa. O reitor anunciou a chegada do bispo, dom José Amado. Todos se reuniram na capela interna para a oração da tarde, com a presença do bispo. Houve apresentações musicais e palestras no teatro. O passeio se encerrou, às cinco da tarde, com um jogo de futebol entre os seminaristas menores e os coroinhas. Apesar da derrota dos coroinhas por seis a dois, Eurico amou correr por aquele gramado verdinho e bem cuidado. Após um suco de abacaxi com bolachas recheadas, os coroinhas retornaram pra casa. -" Que vergonha me fizeram passar! Perdemos de goleada!!!" Lamentava o padre Olegário. Aquele passeio deu bons frutos pois, seis meses depois, cinco daqueles coroinhas ingressariam no seminário menor, entre eles Eurico. Mudou de mala e cuia. Logo se acostumou a usar batina nas missas e aos horários das orações diárias. O estudo era bom. Aprendeu português, francês, inglês, latim e espanhol. Aprendeu piano e violão. Terminou os estudos básicos e ingressou no seminário de filosofia. Três anos de estudos filosóficos antes de quatro anos de teologia e a ordenação sacerdotal. Eurico estava determinado a ser padre. Um ótimo orador a serviço da igreja. Primeiro ano de teologia. Seminário em outra cidade. Um quarto só dele. Faculdade. Missão pastoral aos finais de semana na paróquia São Paulo Apóstolo, onde conheceu Izabela, uma morena simpática de cabelos cacheados e olhos de jabuticaba. Amor a primeira vista. Eurico estava flechado pelo cupido. Izabela ganhou o coração de Eurico e a igreja perdeu um futuro sacerdote. Eurico e Izabela tiveram três filhos. Ele ainda adora almôndegas!!! FIM.

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 30/05/2019
Reeditado em 30/05/2019
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