Quinta de despedida
A quinta-feira amanheceu cinzenta. Ele dormiu poucas horas na noite anterior e levantou junto com os primeiros raios da manhã. A primeira coisa que lhe veio a cabeça foi a lembrança da mãe. Aquele era o primeiro dia em que ele se encontrava totalmente sozinho. Sua mãe havia morrido, sua mulher havia lhe deixado e a sua irmã, casada, construiu outra família e tinha seus próprios caminhos. Nem trabalho ele tinha. Tinha sido demitido justamente pelo cara que imaginava ele, naquela manhã estava acordando ao lado da mulher que lhe jurou amor.
Ele tentou buscar em sua mente uma solução para a sua vida. Seu coração estava cheio de ódio e raiva, mas sua mente estava saudável e ele ainda raciocinava como um ser humano racional e sabia que se não tomasse uma atitude as coisas poderiam ficar feias.
Primeiro pensou que poderia ir embora para algum lugar muito distante e recomeçar a vida, longe da mulher que lhe abandonou e do patrão que lhe demitiu. A única coisa que poderia lhe prender naquela cidade onde nasceu e cresceu e de onde nunca saiu por mais de uma semana, agora não habita mais no mundo dos vivos.
Sua mente entrou em devaneio e ele passou a se imaginar em uma praia, daquelas paradisíacas que se encontram no Nordeste, com suas águas cristalinas, suas areias brancas e mulheres bonitas caminhando para lá e para cá, desfilando em minúsculas roupas de verão.
Pensou consigo mesmo, que poderia viver assim por algum tempo. Teria o Fundo de Garantia para retirar e o seguro desemprego que talvez lhe mantivesse nesta vida boa, por uns dois ou três meses. Bom, dois ou três meses passam rápidos e então começou a pensar no que faria depois. E não encontrou nenhuma alternativa.
A solução mais viável seria encontrar um novo trabalho e uma nova mulher e assim constituir uma família e seguir com a vida, mas também, por outro lado, imaginava o que as pessoas pensariam dele? O homem que perdeu a mulher para o patrão e que agora andava perdido na vida, mendigando por amor e por um emprego.
Se a mãe ainda estivesse viva ela poderia lhe dar alguns conselhos, mas ela já não estava mais e então ele se confrontou somente com ele mesmo e olhando para sua imagem no espelho, ficou espantado com o que viu.
O homem a sua frente estava com os cabelos desgrenhados, tinha meia-idade, estava visivelmente cansado, com olheiras profundas e barba por fazer. Buscou no interno da sua mente e tentou encontrar algo que lhe desse força, mas nada surgiu e então caminhou até o quarto pegou uma caixa de sapatos que estava sobre o guarda-roupas e largou sobre a cama.
Ele caminhou até a janela do quarto e olhou para fora e tudo que viu foi um pequeno fio de sol que aparecia entre os dois prédios que ficavam no lado oposto da rua. Havia uma criança brincando lá embaixo. Por um instante ele ficou olhando para ela e imaginando o quanto ele desejou ter um filho e o quanto ela não quis engravidar, sempre adiando, deixando para depois.
Voltou-se para o quarto, caminhou lentamente até os pés da cama, sentou e pegou a caixa de sapatos na mão. Abriu-a com cuidado e ficou encarando por alguns instantes uma pistola que estava ali dentro. Pegou a na mão. Sentiu o peso. Colocou o pente no local e ficou com a cabeça baixa segurando a nas mãos logo a frente.
Ele tinha uma decisão para tomar naquele momento. Era uma decisão importante. Olhando para aquela arma ali, bem na sua frente ele confrontava todo o seu ser e tudo que havia acontecido com ele nos últimos dias. A mulher que foi embora, o trabalho que ele perdeu, a mãe que faleceu, o amor que transformará-se em raiva quando descobriu que sua ex agora era atual do seu ex-patrão.
Encarando a arma, ele precisava tomar uma decisão e tomou.