Conto das terças-feiras – A tragédia dos irmãos da quadra 16
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 28 de maio de 2019
Casados há mais de 13 anos, Rosa e Carlos viviam uma vida tranquila, ele funcionário público e ela professora primária. O casal da quadra 16, como era conhecido no conjunto habitacional onde morava, só tinha uma preocupação, por que eles não podiam ter filhos? Os médicos visitados não tinham a resposta, pois ambos eram sadios e férteis, atestavam os exames laboratoriais.
Sem esperança, resolveram adotar uma criança. Pedido feito à direção da maternidade, o casal era só expectativa. Fizeram até um painel onde enumeravam cada dia que passava, após a notícia que a próxima criança a nascer naquela maternidade, seria deles. Já estavam no quinto mês de espera quando o celular de Rosa tocou, informando que o bebê havia nascido. Ela desligou o celular sem dizer palavra alguma, tão nervosa que estava. Imediatamente telefonou para o marido informando que estava indo para o hospital buscar a criança, que ele fosse para lá, e não demorasse.
Já com a criança em casa, solicitaram para uma vizinha, que tivera filho há seis meses, algumas roupas que não mais cabiam no filho dela. Assim começou a vida de Roberto Carlos, nome escolhido para o adotado. A satisfação do casal era tão grande com a chegada da criança, que o ambiente familiar ficou uma alegria só. Era um garoto robusto, de sorriso alegre e se alimentava bem. Passados dois meses, processou-se um milagre naquele lar, Rosa, ao visitar o médico ginecologista recebeu a notícia que estava grávida. Outro alvoroço de alegria, o pai, o mais orgulhoso, seria pai verdadeiramente.
Os dois irmãos cresceram em ambiente feliz, honesto e religioso. Orações em agradecimento àquela paz que reinava na casa da quadra 16, eram proferidas todos os dias. Os garotos se pareciam muito e ambos eram confundidos até pelos mais chegados da família. A paz começou a ser quebrada já na adolescência de Roberto Carlos e Carlos Alberto, o filho legítimo. Enquanto Roberto Carlos não gostava de estudar, Carlos Alberto era um garoto inteligente, estudioso e sempre tirava boas notas. Roberto Carlos, durante o seu período de estudante fora expulso de duas escolas, por péssimo comportamento. Não aparecia nas aulas, tinha notas péssimas e se tornara um problema no condomínio onde morava. Os dois irmãos já não se falavam, Carlos Alberto continuava na sua trajetória para o bem. Roberto Carlos ia de mau a pior. Suas companhias eram garotos de comportamento duvidoso, viciados em drogas e alguns já tinham puxado cadeia. A semelhança física entre os dois aumentava a cada dia, pareciam irmãos gêmeos. Nem a diferença de idade era notada.
Essa condição veio abalar a estrutura da família. Devedor para os traficantes, Roberto Carlos já quase não aparecia em casa. Procurava sempre esconder-se em casas de componentes de seu bando. Sabia que estava sendo procurado e quando encontrado, seria morto. Sua dívida com droga era impagável, e seu estado de saúde lhe impedia de conseguir dinheiro traficando droga, aliciando novos compradores. A droga que recebia para vender era usada para consumo próprio.
Quando a desgraça teima pousar em uma família, quase sempre não sai mais. Rosa e Carlos perderam seu filho, Carlos Alberto, para o tráfico de drogas. Não que ele estivesse envolvido nesse métier, mas porque fora confundido com o irmão Roberto Carlos. Três tiros, desferido a mando do traficante chefe, acertou a cabeça, o coração e o pulmão do bom garoto, que teve morte instantânea.
O noticiário policial do outro dia deu a senha para os bandidos, ao estampar, em letras garrafais, o assassinato por engano. No corpo da notícia o repórter descrevia que o homem que deveria morrer encontrava-se vivo e bem nas barbas dos traficantes. Quem morrera fora o inocente irmão, isto é, o bastardo continuava vivinho da silva.
Verdadeira caçada para apanhar e matar Roberto Carlos foi encetada, ofereceram até dinheiro para quem trouxesse a cabeça dele à presença do chefão. Foram convocados todos os elementos da quadrilha para esse fim. Quatro dias depois o corpo de Roberto Carlos apareceu boiando nas águas do rio que atravessa a cidade. Foi um recado para todos os usuários de drogas, devedores ou não da quadrilha.
Desgostosa, Rosa parou de alimentar-se. Quadro de depressão veio logo atrás, prostrada na cama, dia e noite, um quadro profundo de anemia levou-a à morte. O marido a acompanhou poucos meses após. A casa da quadra 16 ficou abandonada por alguns anos, ninguém tinha coragem de nela morar.