CAMISINHA DE BOLINHA AMARELINHA
CAMISINHA DE BOLINHA AMARELINHA
HUEMMMMMMMMM......HUEMMMMMMMM! HUEMMMM...
Ao longe vem cantando na estrada de terra batida, o carro de bois...
As meninotas alvoroçadas nem esperam que o cantar daquele carro se aproxime mais, reconhecem-no de imediato pela melodia lenta que provoca na poeira da estrada:
- É ele!!! - falam a um só tempo – é ele!!!
Abandonam as velhas bonecas de pano com seus cabelos de lã emaranhados, levantam-se lépidas e começam a correr pela casa... A corrida retumba no assoalho como um velho tambor na cadência de uma música:
- Treco! Tum! Tum! Treco!....treco ! tum!....trecooo!!
Rapidamente arrastam o antigo banco de madeira para junto da janela e em sincronia ali se dependuram para vê-lo passar...
Jamais descobriram o nome dele. Então batizaram-no de “Camisinha de bolinha amarelinha” como uma homenagem aos trajes que ele usava na primeira vez que o viram....
“Camisinha de bolinha amarelinha” era para elas uma presença constante: todos os dias passava em frente àquela janela candiando os bois que puxavam o carro ....
No primeiro dia não as viu, nos seguintes também não.... Até que um dia arriscou um olhar...
Foi o bastante! Elas entreolham-se e sorriem satisfeitas...
Na próxima vez que passou por ali... Ele veio ainda mais alinhado: de novo usava a Camisa de bolinha amarelinha, muito limpa por sinal, colocada para dentro das calças muito bem passadas a ferro de brasas e nos pés nada usava (era como se nem tivesse sapatos ou chinelos)...
Como manda a tradição local ao cortejar uma moça, ele respeitosamente esboça um sorriso, tira o chapéu e recoloca-o com o bico virado para o lado da dama admirada!
Para qual das duas estava virado o bico do chapéu? – isto não importava - o importante é que “ele” se interessara!!!
O carro de boi passa e as pequenas voltam às brincadeiras normais, tão rápidas quanto como foram dependurar-se na janela....
- Meninas! - pergunta a mãe – o que está acontecendo? Para que essa correria toda?
- Nada mãe! – respondem em uníssono , enquanto trocam sorrisos, em cumplicidade no grande segredo do primeiro amor...
Por meses a fio e cena se repetia: o carro de bois, as meninas dependuradas na janela para ver o menino candieiro, as perguntas da mãe e os sorrisos cúmplices das irmãs....
Estava a menina mais velha por completar seis anos, quando complicações de parto, ceifa-lhes da vida a mãe.
As meninas foram literalmente arrancadas do lar paterno(que era um pobre homem do campo), pelos avós maternos (que eram poderosos empresários) e levadas para viver com eles em tradicional e rico lar na capital, onde crescem....
O tempo passa...
É fim de tarde de uma primavera qualquer: os pássaros cantam , borboletas e abelhas disputam o privilégio de pousar numa flor mais perfumada, nuvens abaixam-se saudando o fim do dia, crianças em diversas faixas etárias praticam seus folguedos infantis no jardim, e, a um canto do mesmo ,duas respeitáveis senhoras, tricotam enquanto vigiam os netos e bisnetos em suas brincadeiras....
Não fosse a saudade dos primeiros anos da infância, tudo seria paz e alegria na vida daquelas senhoras:
Elas entreolham-se e divagam a um só tempo; suspiram... E depois olham o que se passa ao redor: Não são mais meninas, não existe mais chapéu de bico para cortejar as moças, os homens que passam não usam nem chapéu, aliás chapéus saíram da moda há mais de três décadas !
Agora começam a observar as pessoas que passam pelo calmo jardim, como parecem apressadas em seguir suas vidas....Estas pessoas ainda não descobriram que a felicidade anda ao lado, nas pequenas coisas da vida e que ninguém precisa correr tanto para alcançá-la. (as sábias damas já sabem disso : vivem a vida em todos os seus momentos!)
De repente...
Passa por elas um distinto senhor, parecia um nobre em trajes tão elegantes... Elas não o conheciam, mas alguma coisa nele despertava aquela sensação de saudosismo...
O homem segue seu caminho.... Estaca! Retorna até onde estavam as irmãs, faz uma expressão brejeira e arruma o bico de um chapéu imaginário na direção de ambas!!!
Paralisadas, as respeitáveis senhoras só se deram conta do fato quando “ele” já se afastara novamente e ia dobrar a esquina da avenida próxima a qualquer momento....
Tão ligeiras quanto na infância, elas levantam-se rapidamente, deixam cair pelo gramado do jardim suas peças interminadas de tricô e começam a correr em direção ao vulto que se afastava....
Diante da cena inusitada, os netos esqueceram suas brincadeiras e assustados iam correndo atrás delas:
- Vó – gritavam - o que você vai fazer com tanta pressa?
- Vovó , espere um pouco, queremos ir com vocês!
- Avozinha querida! O que está acontecendo? Você não tem mais idade para correr assim....
- Maéêê acuda! Nossas avós parecem enlouquecidas ! – grita o mais pequenino....
Diante das palavras do mais moço de seus netos e sobrinho-neto as mulheres param, entreolham-se e sorriem cúmplices mais uma vez:
Sim... Aquele era “ele”!! Mas o “camisinha de bolinha amarelinha” não poderia nem deveria ser compartilhado com aquela grande família,... O mais sensato seria que ele , isto sim, continuasse sendo o segredo de amor que partilhavam.... E seria assim que ele continuaria: para sempre!
Suspiram felizes e voltam ao tricô e à atenção aos netos e bisnetos, desta feita com uma certeza: ninguém no mundo partilhara um primeiro amor como o delas: puro e ao mesmo tempo tão repleto de ternura...
O amor eterno de duas garotas por um mesmo menino!
IMACULADA CATARINA
Humildemente peço desculpas por estar esviando a versão original, sem as devidas correções que se fizeram necessárias para edição.
beijos
kyriadalua