Frederico e Berta

Em uma bela cidade do sul do Brasil, morava uma família de imigrantes europeus que lá chegaram pelos idos de 1940, época em que a calamidade da Segunda Grande Guerra se fazia iminente, justamente naquela parte do mundo onde eles viviam na mais perfeita paz e harmonia, já há várias gerações; a Alemanha.

Fritz e Helga eram os mais jovens descendentes de duas das mais tradicionais famílias alemãs. Seus pais eram ricos e prósperos comerciantes de queijos e vinhos da região norte daquele país, mas por causa da ameaça iminente da guerra, se viram de uma hora para outra, compulsoriamente transformados em financiadores de armas para o exército alemão, coisa que eles, pacatos cidadãos, absolutamente não concordavam mas que, infelizmente, não tinham sequer a possibilidade de contestar aquela imposição. E foi assim, por perceberem que todos os bens de suas famílias, que durante muitos séculos foram amealhados através de muito esforço e trabalho estavam sendo usurpados em nome de uma tresloucada ideologia política da qual eles discordavam completamente, que resolveram de comum acordo, que o melhor a ser feito seria que aqueles dois então jovens, que àquela época estavam noivos e ainda estudavam, e que pretendiam casar-se após estarem formados, deveriam se casar imediatamente e abandonar o país em busca da garantia de um futuro melhor para a sua nova família. Os pais deles então juntaram todas as economias que eles ainda podiam carregar e, juntamente ele e sua então jovem esposa Helga, embarcaram em um navio, rumo ao Brasil; país onde já mantinham contatos comerciais com alguns conterrâneos seus que aqui haviam se estabelecido já há algum tempo. E foi assim que Seu Frederico e dona Berta -nomes que adotaram no Brasil- aqui desembarcaram, ainda no início da década de 40 do século passado, trazendo em sua bagagem, além de uma pequena fortuna; muitos sonhos e desafios, sendo que o maior de todos os seus desafios seria o de encontrar em seu novo e desconhecido destino, aquela mesma paz e felicidade que vivenciaram no seio de suas famílias e que, repentinamente, se viram compulsoriamente forçados a deixar para trás.

Mas parece até que o destino lhes havia preparado uma bela surpresa, porque eles vieram a desembarcar justamente em uma das mais belas cidades do nosso país; a então ainda pequena e bucólica Itajaí, em Santa Catarina. Ali, com o que haviam trazido da Alemanha, eles puderam comprar uma grande extensão de terras, investindo no setor agropecuário, coisa que àquela época ainda não era muito comum naquela região, mas assunto sobre o qual eles já tinham um completo domínio, pois agronomia era a matéria que ambos estavam cursando.

Com muito trabalho e dedicação, os negócios prosperaram. Passaram-se os meses; os anos... O tempo passou; seus pais também passaram...

Eles tiveram apenas um casal de filhos que, aqui cresceram, se formaram, e fizeram justamente o caminho inverso de seus pais; escolheram morar na Alemanha.

Hoje, já aposentados da lida diária, Frederico e Berta curtem a tranqüilidade de uma fazendola no interior do Estado, cercados de muita paz e muito verde. Embora já não seja tão bucólico como antes, pois já tem uma densidade demográfica muito grande, ainda é um lugar muito aprazível, e ainda é possível se apreciar a natureza em toda a sua plenitude; sua beleza e grandiosidade, principalmente nas belas manhãs ensolaradas, quando da janela de sua sala eles podem curtir o nascer do sol, por sobre as montanhas.

E com o vôo de seus filhos em busca de novos horizontes, eles se sentiram novamente sós. Mas desta vez a situação era bem diferente; eles já não tinham mais nenhum objetivo na vida, como aconteceu quando aqui aportaram.

Não havia para eles mais nenhum desafio a ser vencido; meta a ser cumprida... E foi então que um sentimento de solidão começou a atormentar-lhes a vida. Deveriam eles aprender a conviver com a solidão?... Decididamente não! Não era este o perfil daquele casal.

E foi então que eles tomaram a sábia decisão de procurar preencher parte do seu tempo vago com algo que pudesse ter alguma utilidade, tanto para eles, quanto para aqueles que ao longo de suas vidas, tinham se tornado parte dela. E chegaram a conclusão de que abrir uma pousada seria algo muito bom, pois poderiam trabalhar e se divertir ao mesmo tempo... E assim o fizeram.

Só que eles optaram por construir uma pousada que fosse, sob o ponto de vista do casal, a pousada ideal; um lugar tão aprazível que pudesse satisfazer e expectativa de toda a família, que contentasse desde os mais idosos, como era o mais comum de se encontrar, mas também, e principalmente, os mais jovens e adolescentes; coisa muito rara. Mas como dosar este equilíbrio? Como construir um lugar que pudesse agradar, ao mesmo tempo, esses dois segmentos etários tão divergentes?... Foi então que Berta resolveu, de uma vez por todas, aquele imbróglio. E o fez com apenas uma palavra: “Família”.

Pois é. Ela conseguiu imaginar, e vender a idéia da construção de um lugar que pudesse satisfazer ao mesmo tempo, as expectativas tanto de pessoas idosas como eles, quanto as de jovens e crianças, como um dia também eles o foram.

E tudo que visualizaram se encaixava perfeitamente naquele contexto de família. E puseram mãos à obra...

Escolheram um enorme terreno de frente para a praia, com fundos para uma serra, de onde corria um riacho de águas límpidas que o cortava em uma das laterais e desembocava no mar.

E foi então que lhes veio à memória a imagem da bela propriedade rural que os pais de Berta possuíam em sua terra natal, e também da belíssima mansão que pertencia à família de Frederico, mas que já ficava no centro urbano da cidade. Pensaram então em construir ali um resort que pudesse retratar aqueles dois ambientes, cujas belas lembranças o tempo não conseguira apagar de suas memórias.

Assim pensaram, e assim fizeram. Com muito carinho e caprichando nos detalhes, conseguiram construir naquele local uma réplica daquelas duas residências, completando o cenário daquele lindo resort, com pequenas choupanas bem ao estilo daquelas construções rústicas, muito comuns nas vilas alemãs do início do século passado.

Ao término daquela grande obra, se podia verificar que ficou uma coisa linda! Era como se uma pequena vila alemã estivesse ali, encravada entre o mar e a montanha, enfeitando ainda mais e valorizando aquele cenário bucólico do então pequeno vilarejo de Camboriú.

Frederico e Berta ficaram à frente, na administração daquele seu belo resort. Ao qual denominaram “Freund und Gut”. Ali eles sentiram revigorar as suas energias e a sua vontade de viver, só passando a direção para seus filhos e netos, que então já haviam retornado ao país, quando suas forças já não lhes permitiam mais trabalhar; mas isto quando ambos já tinham mais de 90 anos.

E, como ao final de um conto de fadas; “Viveram e foram felizes para sempre, neste maravilhoso país chamado: Brasil”.

E.R.Calabar

Janeiro-2016