Conto das terças-feiras: Um anjo branco e nu
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza (CE), 14 de maio de 2019
Com 15 anos nossa filha foi morar nos Estados Unidos durante um ano. Uma experiência que nos deu medo, mesmo assim concordamos. Foi por meio de um intercâmbio que já detinha alguns anos de “expertise” nessa atividade na Cidade de Belém, no Pará. Depois de um ano, ela voltou, fez faculdade e hoje é uma senhora casada e mãe de três filhos. Até hoje ela usufrui dessa experiência, principalmente por falar fluentemente o idioma inglês e por ter sido professora dessa disciplina por algum tempo, em cursos de línguas.
Entusiasmados por esse programa, nos inscrevemos para receber estudantes estrangeiros. Nossa primeira “daughter” foi uma americana da cidade de Ohio, localizada no centro da Região Centro-Leste dos Estados Unidos. Passou quase um ano em nossa casa, estudou em colégio de Belém, não nos deu trabalho, mas, quando foi embora, nos esqueceu por completo.
Com a nossa mudança para Fortaleza engajamo-nos em um programa de uma Universidade local que recebia universitários para cursos de dois a três meses. Por meio desse programa recebemos um rapaz nipo-americano e quatro americanas. Duas delas em um mesmo período. A última que aprovamos para passar o seu período de intercambio em Fortaleza, em seu cadastro de candidata dizia ser uma universitária de bom gosto, educada, estudiosa com excelentes notas, estudava genética, apaixonada pela natureza humana e pelo universo, com todos os seus fenômenos. A foto colorida postada nessa ficha reproduzia uma imagem de uma bela jovem, cabelos loiros, compridos e cacheados, cútis rosada, olhos azuis. Suas medidas antropométricas - peso, altura, circunferência de cintura e circunferência de quadril – assinalava tratar-se de uma jovem alta, magra, uma deusa, um anjo. A escolhemos, é claro, pelo conjunto da obra.
A nossa primeira comunicação, em nosso sofrível inglês, foi satisfatória. Explicamos como eramos exigentes sobre qual deveria ser o comportamento dela, da nossa responsabilidade em ter sob nossa guarda uma jovem de apenas 17 anos, e sobre os perigos que ela estaria sujeita em uma cidade grande, já que se declarara morar em uma de apenas 30 mil habitantes. A tudo ela concordava, balançando a cabeça positivamente.
A primeira semana ocorreu sem sobressalto. No primeiro dia fomos deixá-la de carro na faculdade. No segundo dia ensinei-a a ir de ônibus, indo junto com ela. Mostrei como voltar e onde descer do coletivo. Ela não se importou, fez como lhe foi ensinado, ao final das aulas voltou direto para casa. E assim foram os dias subsequentes.
Na segunda semana ela começou “pôr as manguinhas de fora” como se diz por aqui. Saiu pela manhã, dizendo que iria para a faculdade, só voltando depois das 17 horas. Depois de tomar banho, ela estendeu um biquíni no varal, indicativo de que passara o dia na praia. Não contestamos, pois não sabíamos se naquele dia ela teria aula ou não.
Outro dia ela disse que iria a uma festa com uns amigos americanos, do intercâmbio. Concordamos, pois seria natural que isso acontecesse. Ela só voltou depois das duas horas da manhã. Como tínhamos deixado a chave da porta com ela, foi fácil a garota introduzir um rapaz, que passou direto para o quarto ocupado por ela. Ao perceber o que estava acontecendo, dirigi-me à porta dela e a chamei, não houve resposta. Insisti batendo na porta e chamando-a. Também não houve resposta, deixei para lá, pois àquela hora eu não queria fazer escândalo no meu prédio.
Pela manhã eles acordaram cedo e saíram sem fazer barulho. À tarde quando ela chegou tentei falar-lhe, mas não foi possível, disse-nos que estava com dor de cabeça. Mesmo assim dissemos-lhe que não estava certo o que ela estava fazendo. Nenhum comentário. Resolvemos falar para a responsável por ela no intercâmbio. Informamos que não mais a queríamos sob a nossa responsabilidade. A preceptora disse que iria conseguir uma casa para ela ficar, o que aconteceu no outro dia. Ficamos aliviados com a saída dela de nossa casa. Depois de alguns dias encontramos, debaixo de sua cama, um diário onde ela descrevia sua passagem por Fortaleza até o último dia que ficara em nossa casa, relatos picantes e desconcertantes. Uma transa com um rapaz que conhecera na praia, outra no banheiro de uma danceteria, parecia que vivia a busca de aventuras e emoções.
Na outra residência a coisa foi pior. Certo dia ela apareceu completamente nua na cozinha da casa, procurando algo na geladeira. Naquele momento só havia a empregada doméstica, que cuidava da arrumação da casa. A serviçal prontamente telefonou para o patrão, informando o que estava acontecendo. Ao chegar em casa ele solicitou que a garota saísse imediatamente de sua residência. Ela, do jeito que estava, encaminhou-se para o elevador, sendo impedida de entrar por quem a expulsara daquele ambiente. Ficamos sabendo que ela fora mandada de volta aos Estados Unidos, por causa desse episódio. Até hoje nos intriga o comportamento da jovem com cara de anjo.