Terça de despedida
Era a pior fase da vida dele. Abandonado pela esposa, sem emprego, sentindo-se que estava caminhando a passos largos para a depressão e o alcoolismo, sintomas que já lhe eram comuns em praticamente toda a vida, foi na terça-feira que ele recebeu o golpe mais dolorido que um homem pode receber.
Na segunda a noite, ele tentou procurar a ex e como não a encontrou ele acabou em um bar, como já tinha acontecido na noite anterior. Nem bem sentará, recebeu uma ligação da sua mãe, com aquela voz que só as mães têm, ela começou a consola-lo e o convidou para o jantar. Ele recusou.
Não queria demonstrar fraqueza para sua progenitora, mesmo que seu íntimo gritasse por um colo de mãe. Não importa a idade da gente, sempre é bom receber um carinho de mãe, afinal, não há mal do coração que um abraço de mãe não possa curar.
Entretanto, naquela noite, ele não queria parecer fraco e então seguiu bebendo. Bebeu até a madrugada e depois foi para casa e caiu na cama quando o sol já começava a bater na janela de seu quarto.
Jura que estava sonhando com uma praia deserto, ao lado do amor da sua vida, quando fortes batidas na porta despertaram-lhe. Ele primeiro cobriu os ouvidos com o travesseiro na esperança que a pessoa fosse embora, mas depois pensou que poderia ser ela voltando para o mundo e então pulou da cama e percebeu que nem a roupa da noite anterior ele tinha tirado.
Quando passava pelo meio da sala ele se deu conta de que se fosse ela, teria entrado, afinal, até onde ele sabia, ela tinha levado uma chave, e então desanimou.
Girou o trinco da porta e se deparou com uma mulher que ele amava. Não era exatamente a que ele queria, mas era alguém que ele amava, era sua irmã. Ela estava com olhos cheios de lágrimas, com o rosto inchado e com a maquiagem escorrida. Os cabelos mal penteados davam a impressão de ter acordado de susto.
“Porque não atende o telefone?” Ela perguntou. Ele citou a palavra bateria para não confessar que, na verdade, o havia deixado desligado para não ser incomodado. “A mamãe morreu” ela falou aos prantos. Ele titubeou e sentiu como se uma força tivesse lhe atingido o peito lhe jogando em direção da porta recém fechada. Não conseguiu falar nada. Até abriu a boca, mas as palavras não saiam. Sentiu uma falta de ar e uma dor no peito quase insuportável e sem conseguir respirar caiu sentando, sendo amparado pela irmã que apesar do choro, já tinha superado o choque inicial da notícia.
No chão, ali, sentados contra a porta os dois choravam abraçados. Nenhum dizia nada, não precisavam, ou não podiam, o fato é que a dor estava cortando o peito de ambos e o simples gesto de estar junto, era tudo que um precisava do outro.
A mente dele divagou pelas lembranças que tinha de sua mãe. Das palavras que ela disse na noite anterior e de tudo que ela se sacrificou para criar sozinha os dois filhos.
Era quando essas lembranças lhe assaltavam a mente que ele se deparou com uma verdadeira e triste realidade: quantas horas podia ter passado ao lado da sua mãe e por um ou outro motivo, que agora ele nem lembrava mais, ele a deixou esperando. Quantas palavras ele queria ter dito, mas que por achar que ela sabia de tudo e não precisava ouvir mais nada, ele nunca disse. Quantos presentes bons ele queria ter dado, mas priorizou uma festa, uma peça de roupa ou qualquer outra coisa, que agora lhe eram tão supérfluos, nunca deu. Quantos conselhos ela deu e ele fez de conta que ouviu e que por pensar que sabia tudo do mundo nunca colocou em prática e que agora reconhece que eram sábios e perfeitos para a sua vida.
Seus olhos lacrimejando, suas mãos suando e seu coração batendo de forma acelerado, fazendo com que todas as outras mágoas que ele acumulará ao longo da vida parecessem nada.
Na sua mente um filme ia passando das coisas que poderia ter feito e dito... em seu coração apenas a certeza de que agora era tarde demais e a pergunta: por que razão a gente espera ser tarde demais para se dar conta disso?