Segunda de despedida
Foi em um domingo pela manhã que ele ao acordar encontrou a carta dela dizendo que estava indo embora. Nem era uma carta, era muito mais bilhete. Ele demorou para se recuperar do golpe e raciocinar no que deveria fazer.
Ele a amava. Isso era certo. Ela também dizia que o amava, mas ele sabia que todas pessoas mentem, mesmo aquelas que muitas vezes parecem ser munidas de confiança e verdade.
Pegou o telefone, que ainda estava em um carregador na beira da cama, e então tentou ligar para ela. Foram várias tentativas, interrompidas por diversas mensagens que eram enviadas logo em seguida, mas nada. As ligações ela não atendia, as mensagens ela não visualizava.
Eis então que sem saber direito o que fazer, ele pegou a carta, dobrou em quatro partes, pôs no bolso das calças e saiu. Ele foi primeiro na casa da mãe dela. Ela não estava lá.
Ele conversou com, a agora aparente, ex-sogra, que por mais que lhe fizesse um discurso educado de consolo, ele sabia, estava rindo por dentro, afinal ela nunca gostou dele.
Já era meio da tarde quando ele começou a peregrinar pelas casas de amigas que ela tinha e que ele conhecia e arriscou inclusive algumas que ele não conhecia, mas que eram íntimas dela nos tempos de solteira.
Depois de procurar onde pode, de ligar não sei quantas vezes, com o coração apertado e um sentimento de fracasso se apossando de cada palmo de sua alma, ele andou e foi pro único lugar que um homem abandonado costuma ir: O bar.
Não foi para o mesmo estabelecimento que costumava frequentar. Não desejava encontrar as pessoas que ele conhecia que lhe fariam perguntas que ele não queria e não saberia responder.
Com a carta segura nas mãos, levantada frente aos olhos, onde ele reconhecia a caligrafia dela e não entendia aquelas palavras, ele começou a beber. Não sabe que quantia bebeu, mas quando se deu conta a madrugada já urgia e ele era a única alma ocupando aquele lugar insalubre.
Voltou para casa e continuou bebendo. Ora ou outra ele pegava o telefone e tentava ligar, sempre sem sucesso. Já era quase de manhã quando ele pegou no sono e já era segunda-feira de sol alto quando ele acordou.
Ainda levemente tonto, vestiu-se rápido e saiu em direção ao trabalho. Enquanto caminhava pelas ruas, com passos largos, seu corpo apresentava um turbilhão de sensações, que iam desde a ressaca, ao resquício do álcool que ainda pairava em seu organismo e o sentimento de fracasso que lhe dava um gosto amargo na boca.
Não demorou muito para chegar a obra. Correu para o alojamento, pegou o capacete e as luvas e foi se juntar os demais operários que suavam, embaixo do sol. Viu os risos de alguns deles e os gritos de outros: “Boa tarde”... Ironia comum para quando alguém chegava atrasado.
“O doutor quer falar com você”. Foi o que um colega disse. Ele já sabia o que poderia acontecer. Iria levar uma chamada por chegar atrasado, mas nos últimos quatro anos nunca se atrasou um minuto sequer. Nunca cometerá um erro e dado aos acontecimentos das últimas horas, certamente, seria compreendido.
“Doutor, cheguei atrasado porque tive uns problemas em casa e...” Não conseguiu terminar a sua frase e foi interrompido pelo patrão, que não tinha mais que a sua idade, e que talvez entendesse menos de obra do que ele, mas tinha pendurado na parede um diploma de engenharia civil.
“Infelizmente, estamos precisando cortar gente e seu serviços não vão ser mais necessários. Sinto muito.”
“Foi alguma coisa que eu fiz?” ele perguntou. “Não”. Foi a única reposta que recebeu e depois ganhou uma carta de recomendação que já estava preenchida e os papéis para encaminhar seu desligamento.
Ele levantou para aquele pepel timbrado, frente aos olhos, depois a dobrou em quatro pedaços e pôs no bolso traseiro da calça, mesmo bolso onde estava a carta que receberá no dia anterior.