O MILAGRE
Vinhedos e oliveiras cercavam a bela região. Sol ameno, pássaros soltos entre as árvores, que tremiam ao sopro airoso e delicado do ar, correndo entre rios, montanhas e vales. Divina vida, sem comédia ou apenas raramente... às vezes triste, como a noite sem lua, sem estrelas a vaguear, diversas vezes alegre. Todos tentavam alcançar a plenitude dessa existência, mas observar os detalhes minuciosos de uma natureza retratada em telas excepcionais era hábito de Isabelle. Em seu tempo livre, estava ela nas galerias de arte, contemplando belos quadros, olhos vidrados, seu corpo parecia flutuar infiltrando-se entre as tintas e os efeitos magníficos que o renomado pintor fazia saltar aos olhos dos apreciadores da sua arte.
Certa tarde, na qual o poente expunha a magnificência de um céu mesclado em tons púrpura, Isabelle sentou-se num banco no parque de pardais barulhentos. Desprendida do que se passava ao seu redor estava absorta em uma extraordinária leitura, cujo escritor deixava-lhe atônita diante de tantos fatos emocionantes. Noites Brancas, o belo romance de Dostoiévski, o grande escritor russo. Sem que ela percebesse, um moço subitamente senta-se ao seu lado. Isabelle, continuou concentrada em sua leitura. Ao folhear uma nova página, algo ali colocado... um papel dobrado exalando um perfume doce. Abaixou-se para apanhá-lo, à vista disso o moço, tentando ajudá-la, fez o mesmo gesto. Os olhares se cruzaram , aquele azul com brilho especial a contagiou. O tempo como num filme, no qual o diretor manda retardar a cena, parecia infinito. Um calafrio, um pestanejar, recuperou-se. Educadamente ele a cumprimentou, dizendo ser estudante de engenharia e coincidentemente ali sempre passava uma boa parte da tarde, esperando a hora de entrar na sala de aula de uma faculdade próxima ao local.
A amizade entre os dois cresceu. Passaram a se encontrar todas as tardes no mesmo lugar. As conversas agradáveis e a descoberta de tantas coisas em comum, fez com que florescesse em ambos os corações um belo sentimento. David, passou a recebê-la no parque com raminhos de flores coloridas e um beijo na testa, dias depois na face, depois nos lábios, por fim um beijo impetuoso, que ao senti-lo, Isabelle quase desfalece. Carinhosamente, David lhe acariciava os cabelos e cochichava frases delicadas, que se tornavam cálidas e por fim ousadas, provocando risos e arrepios em Isabelle, doce, meiga e apaixonada.
Após dois anos de convivência assídua, entre passeios, cinemas, apresentações nas famílias revolveram casar. Para Isabelle era como se fosse um sonho, que nunca deveria findar. Começaram os preparativos, para a cerimônia. Entre um compromisso e outro, eles tiravam um tempinho para ficarem juntos, diante de tantas coisas a resolver. Após sair do cinema, numa noite chuvosa, farfalhar frenético das folhas nas árvores, chão escorregadio, ao entrar no carro, Isabelle escorrega e bate a cabeça e começa a sangrar em volta dos olhos. Assustada, com voz embargada, diz que após a pancada sua visão tornou-se turva. No final do trajeto não tinha mais nenhuma acuidade visual. Isabelle protelou, pois supunha que tudo aquilo fosse momentâneo, até aceitar a ideia de David levá-la a uma clínica de oftalmologia, para que o quadro pudesse ser avaliado.
O oftalmologista advertiu que, as consequências de um impacto significativo, era preocupante, traumas na cabeça podem levar à cegueira, ou seja, impactos muito fortes na região dos olhos, comprometem o funcionamento dos nervos ópticos e acarreta perda parcial ou total da visão, esclarece. O profissional enfatiza, que não queria assustá-los, mas deixá-los conscientes dos possíveis danos e iniciar uma série de exames para ser preciso em suas afirmações e consequentemente tomar as devidas providências.
Os dias transcorreram e todos os exames foram feitos. Inexplicavelmente a visão de Isabelle não melhorava, por conseguinte, era um fato incompreensível, pois os resultados dos exames feitos estavam normais, não havia nenhum trauma que comprometesse a visão dela, tão seriamente. Nenhuma lesão na córnea, nem deslocamento de retina. Aflita Isabelle, passou a se questionar, em profunda tristeza. As reflexões era infindáveis, admitia ter um grande amor que lhe trazia satisfação e repentinamente o destino toca de maneira sórdida e vil, a vida do casal. Logo ela que sempre fora tão feliz. Para ela a felicidade era uma obrigação, uma energia que a motivava, levando-a em frente, entusiasmo incontestável de seres humanos que se desprendem daquilo que retrai a luz e vivem atingindo conquistas ou superando com sabedoria desafios.
Passados dois meses o quadro clínico da noiva de David, continuava persistente. Todos entre família e profissionais nessa área, procuravam uma solução, para um caso de natureza estranha. Era noite clara e como de costume desde o traumático acidente, o casal ficava a conversar até altas horas no quarto de Isabelle. Ao se despedir, David fala : - Amanhã, lhe trarei um presente, mesmo diante das circunstâncias atuais, seguiremos em frente, para realizarmos nosso casamento. Isabelle, já sonolenta, cai em sono profundo. Na noite seguinte conforme o combinado, David entra no quarto levando na mão uma caixinha com um anel de brilhante. Beija Isabelle e abre a caixa. Foi nesse momento que Isabelle falou: - Que brilho é esse nessa linda caixa? David, recua trôpego como um bêbado em fim de festa e olhos arregalados, voz trêmula, pergunta com o, coração acelerado, diz : - O quê?! Isabelle, conta-lhe que na noite anterior dormiu logo após sua saída. Teve um sonho, no qual visualizava um braço usando uma roupa de manga longa branca, a mão tocou, seus olhos, fazendo escorrer uma lágrima, logo após, seu corpo foi sacudido suavemente como num sopro de vento. Ao abrir os olhos, um imenso clarão, após o lampejar uma fantástica visão. O sol entrou no quarto como uma onda que arrebenta na praia inesperadamente, e se desmancha em espumas brancas nas finas areias. A felicidade surpreendente e o milagre se fez presente.
David apesar de estudar engenharia, buscava conhecimentos em todas as áreas. Após o susto do bem-aventurado momento, ele conversa com Isabelle, com embasamento na fé, afirmando que esperança é um sentimento subjetivos, ou seja depende da perspectiva de cada ser humano.
O rapaz, muito fervoroso em seus princípios religiosos ressalta uma parte da Bíblia: Sem fé é impossível agradar a Deus, pois quem dele se aproxima precisa crer que ele existe e que recompensa aqueles que o buscam – Hebreus 11 . Esse ponto de vista teológico diante da questão aceita totalmente a presença do milagre. Por outro lado todo esse contexto afetando de modo traumático a visão de Isabelle, pode ser explicado de outra forma, sem descartar, o milagre, para quem acredita. O noivo confessa que em busca de explicações, ter feito diversas pesquisas, uma delas, em um site americano dizia ...”The Dark Side Df the Hapiness”... O lado obscuro da felicidade. Pesquisadores descobriram que intensos graus de felicidade podem ser caros, pois podem levar a resultados negativos, ao invés de nos beneficiarem o número ideal de felicidade relatada é de 8 em 10, sendo 10 sempre feliz. Uma pessoa que é extremamente feliz e continua sempre nessa mesma vibração, pode não estar completamente em contato com a realidade. Este desprendimento com o mundo real, repleto de energias obscuras, como uma pessoa experimenta níveis intensos de felicidade, pode levar a comportamentos de risco e disfunção em certas áreas da nossa vida. Tentar maximizar emoções positivas e minimizar as negativas, portanto, nem sempre é beneficio. O equilíbrio é primordial.
Com base no que foi lido, David e Isabelle, pensam juntos que, talvez toda essa explosão de sentimentos na essência da jovem, poderá ter feito com que, após a queda a potencialização de uma carga muita alta de felicidade estando contida na mente desprendeu-se de maneira a deixá-la sem visão, tomando como parâmetro, o fator da traumática queda. Finalmente tudo volta a ser como antes, David abraça Isabelle e diz:- Não viemos em vão nessa vida, meu amor. Assim como diz a bela citação do poeta , matemático, astrônomo persa... "Se uma rosa guardaste, no teu coração, se a um Deus supremo e justo endereçaste tua humilde oração, se com a taça erguida contaste um dia o teu louvor à vida: Tu não viveste em vão!“ — Omar Khayyam.