BELAS MENTIRAS
Cresci usando vestidos delicados, laços nos cabelos e minhas tranças ou cachos delicadamente modelados por mamãe. Aprendi a falar baixo, ser delicada e respeitosa com as visitas. Era uma gracinha, todos diziam. Eu achava isso chato.
Ao sair de casa para um passeio, as repetitivas observações de sempre:
-Cuide para não se sujar, seja educada, respeite as mais velhas. Mamãe era meu manual de boas maneiras
Sabia tudo de cor e salteado. Eu saia dos livros de história ou das novelas que mamãe assistia e repetia na vida real. Tudo tão perfeitinho. Só que logo, descobri que essa menina não era eu. Eu era um Dom Quixote de saia, que, longe de mamãe escolhia brincadeiras de meninos. Por quê?
Eu adorava descer ladeira em carrinho de rolimã, subir em árvores e jogar bolinha de gude com os meninos da rua, ou ainda uma mesa de pingue-pongue.
Achava monótono filmes de princesas belas e delicadas. Elas sempre tão obedientes, com as vestes que esbarravam no chão, esperando que o príncipe um dia viesse com o sapatinho de cristal e casar-se com elas.
Hoje, está na moda chamar as meninas de princesas. Tolice! Eu e minhas companheiras, decidimos logo jogar em outro time. Nada de princesa.
Nossas notas no boletim sempre foram altas. E na sétima série já tínhamos escolhido nossas futuras profissões. Eu, como amava matemática, seria engenheira, Mirta, vivia cuidando de bichos, seria veterinária e Lenita, alta, magricela e a mais bonita, seria modelo. Nossas mães, tinham outros planos para nós. Uma profissão mais tranquila ou quem sabe um marido de posses para que fôssemos apenas as rainhas do lar.
Aos catorzes anos, quando estávamos terminando o oitavo ano do fundamental, nossas mães foram chamadas na coordenação do colégio. O motivo foi matarmos a última aula para jogar futebol na quadra do colégio. O Time das GIRLS.
Os anos passaram, concluímos nossos estudos, embora cursando universidades em cidades e até estados diferentes sempre mantivemos nossa amizade presente.
Sempre que possível nos visitávamos ou programávamos uma viagem juntas. Com o tempo, namorado de uma outra foi incluído no pacote.
Os anos passaram e nós nos tornamos profissionais competentes e felizes com nossas escolhas. Lenita não só conseguiu realizar seu sonho de ser modelo famosa, mas agora era também modelo internacional, morando no Japão. Nossos sonhos se concretizaram.
Eu fui a primeira a casar. Conheci meu marido no baile da minha formatura. Era irmão de uma de minhas colegas de turma, a Manuela, mas conhecida como Manu.
- Ele era um rapaz bonito, de descendência olhos azuis, 1,90 m de altura e um sorriso que encantava. A noite era de festa, o motivo era a conclusão de cinco anos de estudos. Dançamos, festejamos. Ele me fez companhia o tempo todo.
Trocamos celular e nos falávamos todos os dias. Carlos era advogado promissor em Curitiba. Tinha um grande escritório lá e eu, acabara de receber uma proposta para trabalhar em São Paulo.
Passaram-se três meses e, talvez pelo excesso de trabalho quase não nos víamos. Mas numa sexta-feira, logo pela manhã recebo uma ligação de Manu.
-Ei cunhada, eu e Carlos estamos chegando no voo das 10horas. Vamos passar uns dias com você. Temos um recesso.
Foram dias incríveis. Carlos era encantador. Amável, gentil e carinhoso.
Daqueles que lhe traz flores e puxa a cadeira para você sentar. No segundo dia, durante um jantar a três, ele me pediu em namoro.
Tudo parecia mágico, apenas a distância nos incomodava. A presença física fazia muita falta.
Em menos de um ano de namoro, ficamos noivos. Apaixonados, começamos a pensar em ficamos juntos logo. A distância era insuportável. Nos víamos pouco. Ou ele vinha me ver ou eu ia para Curitiba. A solução era casar logo e realizar nosso sonho de termos uma vida junto logo.
Ele não poderia morar em São Paulo, visto que tinha sociedade,na sua empresa. Eu como era funcionária de uma grande empresa de engenharia, deveria conseguir uma nova colocação. Como tinha amigos da minha turma que já trabalhavam lá, foi fácil. Logo surgiu uma ótima proposta para mim.
Nosso apartamento não era muito grande, porém, bem localizado e aconchegante. Juntos escolhemos cada detalhe, desde os móveis à decoração. Estávamos muito felizes. Vivemos assim numa espécie de encantamento durante dois anos. Eu pensava engravidar, sempre pensei ser mãe. Na minha família, éramos em sete irmãos. Programamos minha gravidez para setembro, por ser primavera e a cidade cheia de flores. Já estávamos casados há dois anos. Carlos parecia feliz. Fiz todos os preparativos e tudo caminhava bem.
Quando soube do resultado positivo de minha gravidez, não cabia em mim de felicidade. Esperei ansiosa o retorno de meu marido para lhe dar a notícia.
Tinha pedido uma comida especial. Eu o recebi na porta com a felicidade gritando. Quando fomos para a mesa, o envelope próximo ao prato dele com um sapatinho azul de bebê. Ele gostaria que fosse um menino me disse um dia. Eu olhei para ele disse:
-Menina também pode usar azul e jogar futebol com o papai.
Ele olhou, pegou o envelope. Eu extasiada dizia, abra meu amor.
Ele abriu o envelope. Meu sorriso foi se apagando à medida que não saía uma só palavra de sua boca. Colocou o envelope novamente na mesa. Levantou se dirigindo ao quarto.Não ficou feliz com a notícia da gravidez?
-Problema no trabalho o deixou nervosos?
-Sim aconteceu! Uma criança.
Eu não tinha nenhuma palavra a dizer. Fui para o outro quarto chorar até não ter mais lágrimas. Mas decidi que isso não destruiria minha felicidade. Lavei o rosto e fui dormir, agradecendo a Deus pela felicidade de ser mãe.
Na manhã seguinte, ele saiu sem se despedir. ´Quando voltei do trabalho, havia um ramalhete de flores amarelas e um cartão com pedido de desculpas.
Não entendia seu comportamento, mas decidi ficar quieta achando que tudo foi um surto. Talvez tivesse medo da responsabilidade de ser pai já que nós dois trabalhavam fora e amávamos nossas profissões.
Mas não! Aquele foi apenas o primeiro dos comportamentos estranhos que passaram a acontecer. Uma palavra ofensiva, uma reclamação, uma insatisfação constante com tudo e todos. O distanciamento entre nós só intensificava, enquanto minha barriga crescia e, ele só vivia com amigos e festas.
O homem carinhoso, gentil, sorridente e brincalhão tinha vestido uma nova personagem. Agora o ciúme extrapolava, tinha ciúmes até dos meus colegas de trabalho.
Minha família começou perceber minha tristeza, embora eu tentasse disfarçar. Um dia mamãe perguntou o que estava acontecendo. Minha filha você não me parece feliz. Isso não faz bem para o bebê.
Nada. Disse para mamãe. Não queria preocupá-la. Assim que o bebê nascer ele vai se encantar com a criança e tudo mudará.
Tive uma gestação complicada e solitária. Nosso filho nasceu prematuro. Um lindo garoto e com os olhos azuis do pai, mas parecia muito comigo.
Carlos e sua indiferença já estava sendo percebida por minha mãe que veio passar mais um mês comigo para ajudar a cuidar do Thiago.Quando mamãe foi embora, Carlos deu vazão ao seu novo comportamento. O bebê parecia ser um estranho para ele. Às vezes chegava tarde da noite, dizendo que estava fazendo serviço extra no escritório. Cheirava à álcool.
Eu já chegara no meu limite.
-Carlos chegou a hora de colocarmos as cartas na mesa. Qual o motivo desse seu comportamento? Precisamos resolver essa situação. Você tem outra? Não me ama mais? Preciso da verdade, seja ela qual for.
Foi quando aconteceu a primeira agressão física. Ele me empurrou e disse, estar cheio do casamento. Você não é o que eu pensava, queria uma mulher só para mim. Você só pensa no seu trabalho enquanto eu fico abandonado.
Ele sabia que não era assim. Claro que eu levava meu trabalho muito à sério, mas era uma esposa dedicada atenciosa e sempre demonstrei amor por ele.
Nosso filho foi crescendo e as ofensas também. Decidi partir para o divórcio. E outra conversa decisiva :
-Carlos, penso que a solução é o divórcio. Ele ficou irritadíssimo. Disse que jamais me daria o divórcio.
-Eu não aceito divórcio nenhum. Você é minha e vai ficar comigo até o fim, queira ou não. Enquanto chutava tudo que estava ao seu alcance.
Nesse dia não reconheci o homem que um dia eu chamei de amor da minha vida. Apanhei!
Com o rosto sangrando eu liguei para minha melhor amiga. Ele saiu de casa com uma garrafa de vodca e à toda velocidade.
Quando Sara chegou eu chorava muito. Ela só me disse:
-Laura, vamos direto para delegacia denunciar esse monstro.
Pedi o divórcio litigioso e medida protetiva, pois se não o fizesse eu seria mais uma vítima, mais uma vida ceifada. Era mais um caso de feminicídio.
Ele não aceitou o divórcio, parti então para o litigioso. Mesmo com a medida protetiva, continuou a me perseguir. Ligava no meu trabalho a todo instante. Pedia perdão e fazia mil promessas. Quando viu que eu perdera toda confiança nele, partiu para as ameaças. Disse que ia acabar comigo.
Reuni toda minha coragem, peguei meu filho e fui viver em Portugal. Decidi que meu filho não partilharia sua inocência com um pai sem condições emocionais e mentalmente desestruturado pelo vício.
Já na minha nova morada. escrevi o que resumia a minha história e a de muitas mulheres do mundo inteiro- o feminicídio. Como ele chega e como sai de nossas vidas. Felizmente eu consegui barrar a violência e seguir minha vida.
Hoje vivo bem, Carlos só piorou, arrumou outra mulher. Essa segunda, ele acabou fazendo pior, até que consumou o caso com a morte da companheira.
Será que o amor vem com duas máscaras? A boa e a má, caindo a má por último?
Reconheço que essa visão não é genérica. Há relacionamento que vão até o fim da vida, Tenho como exemplo, meus pais. Sentimentos que se detecta em cada gesto.
Por outro lado, a expansão do feminicídio vem aumentando no Brasil e no mundo de modo extraordinário. Quais as causas?
O feminicídio não vem com uma etiqueta, é camuflado. Só ao cair da máscara é que damos conta que nosso escolhido é uma metamorfose do homem que conhecemos um dia e nos repetia que nos amava e amaria todos os dias de sua vida. Era uma promessa .Promessa que ficou na igreja.
De repente? Não! Foi meu amor que não percebeu o passo a passo da decisão dele ir me mostrando sua essência.
Tudo passou, hoje reconheço minha vulnerabilidade e, apesar de ser uma jovem com vivência e visão do mundo, não captei nenhum sinal do meu par quase perfeito. Vivi mentiras que me fizeram por um tempo feliz, reconheço.
Não vou me privar de um novo amor.Mereço isso, só que serei mais seletiva. O feminicidio está tomando uma dimensão assustadora.A violência está descontrolada mas com certeza o amor ainda existe e existirá. Continuarei confiando que a humanidade tem jeito.
Ao sair de casa para um passeio, as repetitivas observações de sempre:
-Cuide para não se sujar, seja educada, respeite as mais velhas. Mamãe era meu manual de boas maneiras
Sabia tudo de cor e salteado. Eu saia dos livros de história ou das novelas que mamãe assistia e repetia na vida real. Tudo tão perfeitinho. Só que logo, descobri que essa menina não era eu. Eu era um Dom Quixote de saia, que, longe de mamãe escolhia brincadeiras de meninos. Por quê?
Eu adorava descer ladeira em carrinho de rolimã, subir em árvores e jogar bolinha de gude com os meninos da rua, ou ainda uma mesa de pingue-pongue.
Achava monótono filmes de princesas belas e delicadas. Elas sempre tão obedientes, com as vestes que esbarravam no chão, esperando que o príncipe um dia viesse com o sapatinho de cristal e casar-se com elas.
Hoje, está na moda chamar as meninas de princesas. Tolice! Eu e minhas companheiras, decidimos logo jogar em outro time. Nada de princesa.
Nossas notas no boletim sempre foram altas. E na sétima série já tínhamos escolhido nossas futuras profissões. Eu, como amava matemática, seria engenheira, Mirta, vivia cuidando de bichos, seria veterinária e Lenita, alta, magricela e a mais bonita, seria modelo. Nossas mães, tinham outros planos para nós. Uma profissão mais tranquila ou quem sabe um marido de posses para que fôssemos apenas as rainhas do lar.
Aos catorzes anos, quando estávamos terminando o oitavo ano do fundamental, nossas mães foram chamadas na coordenação do colégio. O motivo foi matarmos a última aula para jogar futebol na quadra do colégio. O Time das GIRLS.
Os anos passaram, concluímos nossos estudos, embora cursando universidades em cidades e até estados diferentes sempre mantivemos nossa amizade presente.
Sempre que possível nos visitávamos ou programávamos uma viagem juntas. Com o tempo, namorado de uma outra foi incluído no pacote.
Os anos passaram e nós nos tornamos profissionais competentes e felizes com nossas escolhas. Lenita não só conseguiu realizar seu sonho de ser modelo famosa, mas agora era também modelo internacional, morando no Japão. Nossos sonhos se concretizaram.
Eu fui a primeira a casar. Conheci meu marido no baile da minha formatura. Era irmão de uma de minhas colegas de turma, a Manuela, mas conhecida como Manu.
- Ele era um rapaz bonito, de descendência olhos azuis, 1,90 m de altura e um sorriso que encantava. A noite era de festa, o motivo era a conclusão de cinco anos de estudos. Dançamos, festejamos. Ele me fez companhia o tempo todo.
Trocamos celular e nos falávamos todos os dias. Carlos era advogado promissor em Curitiba. Tinha um grande escritório lá e eu, acabara de receber uma proposta para trabalhar em São Paulo.
Passaram-se três meses e, talvez pelo excesso de trabalho quase não nos víamos. Mas numa sexta-feira, logo pela manhã recebo uma ligação de Manu.
-Ei cunhada, eu e Carlos estamos chegando no voo das 10horas. Vamos passar uns dias com você. Temos um recesso.
Foram dias incríveis. Carlos era encantador. Amável, gentil e carinhoso.
Daqueles que lhe traz flores e puxa a cadeira para você sentar. No segundo dia, durante um jantar a três, ele me pediu em namoro.
Tudo parecia mágico, apenas a distância nos incomodava. A presença física fazia muita falta.
Em menos de um ano de namoro, ficamos noivos. Apaixonados, começamos a pensar em ficamos juntos logo. A distância era insuportável. Nos víamos pouco. Ou ele vinha me ver ou eu ia para Curitiba. A solução era casar logo e realizar nosso sonho de termos uma vida junto logo.
Ele não poderia morar em São Paulo, visto que tinha sociedade,na sua empresa. Eu como era funcionária de uma grande empresa de engenharia, deveria conseguir uma nova colocação. Como tinha amigos da minha turma que já trabalhavam lá, foi fácil. Logo surgiu uma ótima proposta para mim.
Nosso apartamento não era muito grande, porém, bem localizado e aconchegante. Juntos escolhemos cada detalhe, desde os móveis à decoração. Estávamos muito felizes. Vivemos assim numa espécie de encantamento durante dois anos. Eu pensava engravidar, sempre pensei ser mãe. Na minha família, éramos em sete irmãos. Programamos minha gravidez para setembro, por ser primavera e a cidade cheia de flores. Já estávamos casados há dois anos. Carlos parecia feliz. Fiz todos os preparativos e tudo caminhava bem.
Quando soube do resultado positivo de minha gravidez, não cabia em mim de felicidade. Esperei ansiosa o retorno de meu marido para lhe dar a notícia.
Tinha pedido uma comida especial. Eu o recebi na porta com a felicidade gritando. Quando fomos para a mesa, o envelope próximo ao prato dele com um sapatinho azul de bebê. Ele gostaria que fosse um menino me disse um dia. Eu olhei para ele disse:
-Menina também pode usar azul e jogar futebol com o papai.
Ele olhou, pegou o envelope. Eu extasiada dizia, abra meu amor.
Ele abriu o envelope. Meu sorriso foi se apagando à medida que não saía uma só palavra de sua boca. Colocou o envelope novamente na mesa. Levantou se dirigindo ao quarto.Não ficou feliz com a notícia da gravidez?
-Problema no trabalho o deixou nervosos?
-Sim aconteceu! Uma criança.
Eu não tinha nenhuma palavra a dizer. Fui para o outro quarto chorar até não ter mais lágrimas. Mas decidi que isso não destruiria minha felicidade. Lavei o rosto e fui dormir, agradecendo a Deus pela felicidade de ser mãe.
Na manhã seguinte, ele saiu sem se despedir. ´Quando voltei do trabalho, havia um ramalhete de flores amarelas e um cartão com pedido de desculpas.
Não entendia seu comportamento, mas decidi ficar quieta achando que tudo foi um surto. Talvez tivesse medo da responsabilidade de ser pai já que nós dois trabalhavam fora e amávamos nossas profissões.
Mas não! Aquele foi apenas o primeiro dos comportamentos estranhos que passaram a acontecer. Uma palavra ofensiva, uma reclamação, uma insatisfação constante com tudo e todos. O distanciamento entre nós só intensificava, enquanto minha barriga crescia e, ele só vivia com amigos e festas.
O homem carinhoso, gentil, sorridente e brincalhão tinha vestido uma nova personagem. Agora o ciúme extrapolava, tinha ciúmes até dos meus colegas de trabalho.
Minha família começou perceber minha tristeza, embora eu tentasse disfarçar. Um dia mamãe perguntou o que estava acontecendo. Minha filha você não me parece feliz. Isso não faz bem para o bebê.
Nada. Disse para mamãe. Não queria preocupá-la. Assim que o bebê nascer ele vai se encantar com a criança e tudo mudará.
Tive uma gestação complicada e solitária. Nosso filho nasceu prematuro. Um lindo garoto e com os olhos azuis do pai, mas parecia muito comigo.
Carlos e sua indiferença já estava sendo percebida por minha mãe que veio passar mais um mês comigo para ajudar a cuidar do Thiago.Quando mamãe foi embora, Carlos deu vazão ao seu novo comportamento. O bebê parecia ser um estranho para ele. Às vezes chegava tarde da noite, dizendo que estava fazendo serviço extra no escritório. Cheirava à álcool.
Eu já chegara no meu limite.
-Carlos chegou a hora de colocarmos as cartas na mesa. Qual o motivo desse seu comportamento? Precisamos resolver essa situação. Você tem outra? Não me ama mais? Preciso da verdade, seja ela qual for.
Foi quando aconteceu a primeira agressão física. Ele me empurrou e disse, estar cheio do casamento. Você não é o que eu pensava, queria uma mulher só para mim. Você só pensa no seu trabalho enquanto eu fico abandonado.
Ele sabia que não era assim. Claro que eu levava meu trabalho muito à sério, mas era uma esposa dedicada atenciosa e sempre demonstrei amor por ele.
Nosso filho foi crescendo e as ofensas também. Decidi partir para o divórcio. E outra conversa decisiva :
-Carlos, penso que a solução é o divórcio. Ele ficou irritadíssimo. Disse que jamais me daria o divórcio.
-Eu não aceito divórcio nenhum. Você é minha e vai ficar comigo até o fim, queira ou não. Enquanto chutava tudo que estava ao seu alcance.
Nesse dia não reconheci o homem que um dia eu chamei de amor da minha vida. Apanhei!
Com o rosto sangrando eu liguei para minha melhor amiga. Ele saiu de casa com uma garrafa de vodca e à toda velocidade.
Quando Sara chegou eu chorava muito. Ela só me disse:
-Laura, vamos direto para delegacia denunciar esse monstro.
Pedi o divórcio litigioso e medida protetiva, pois se não o fizesse eu seria mais uma vítima, mais uma vida ceifada. Era mais um caso de feminicídio.
Ele não aceitou o divórcio, parti então para o litigioso. Mesmo com a medida protetiva, continuou a me perseguir. Ligava no meu trabalho a todo instante. Pedia perdão e fazia mil promessas. Quando viu que eu perdera toda confiança nele, partiu para as ameaças. Disse que ia acabar comigo.
Reuni toda minha coragem, peguei meu filho e fui viver em Portugal. Decidi que meu filho não partilharia sua inocência com um pai sem condições emocionais e mentalmente desestruturado pelo vício.
Já na minha nova morada. escrevi o que resumia a minha história e a de muitas mulheres do mundo inteiro- o feminicídio. Como ele chega e como sai de nossas vidas. Felizmente eu consegui barrar a violência e seguir minha vida.
Hoje vivo bem, Carlos só piorou, arrumou outra mulher. Essa segunda, ele acabou fazendo pior, até que consumou o caso com a morte da companheira.
Será que o amor vem com duas máscaras? A boa e a má, caindo a má por último?
Reconheço que essa visão não é genérica. Há relacionamento que vão até o fim da vida, Tenho como exemplo, meus pais. Sentimentos que se detecta em cada gesto.
Por outro lado, a expansão do feminicídio vem aumentando no Brasil e no mundo de modo extraordinário. Quais as causas?
O feminicídio não vem com uma etiqueta, é camuflado. Só ao cair da máscara é que damos conta que nosso escolhido é uma metamorfose do homem que conhecemos um dia e nos repetia que nos amava e amaria todos os dias de sua vida. Era uma promessa .Promessa que ficou na igreja.
De repente? Não! Foi meu amor que não percebeu o passo a passo da decisão dele ir me mostrando sua essência.
Tudo passou, hoje reconheço minha vulnerabilidade e, apesar de ser uma jovem com vivência e visão do mundo, não captei nenhum sinal do meu par quase perfeito. Vivi mentiras que me fizeram por um tempo feliz, reconheço.
Não vou me privar de um novo amor.Mereço isso, só que serei mais seletiva. O feminicidio está tomando uma dimensão assustadora.A violência está descontrolada mas com certeza o amor ainda existe e existirá. Continuarei confiando que a humanidade tem jeito.