Você está me ajudando?
Eram quase duas horas da tarde, o sol ardia, sem dó nem piedade na pele de quem ousasse enfrenta-lo, e lá vinha Gabriel, caminhando na rua pouco movimentada, moço bom, deveria ter uns trinta anos, desempregado, que só queria chegar em casa e sair daquele sol, então apressava o passo para poder chegar logo e refrescar-se, e foi então que ele o viu, sentando em uma quebra da calçada irregular, um rapaz, roupas sujas, velhas, muito magro, tinha uns sacos de garrafas plásticas vazias em uma das mãos, olhava fixamente para o nada, lábios entreabertos, parecia pensar no que ia fazer. Gabriel passou por ele, analisando toda a cena, imaginando se já teria bebido água ou comido alguma coisa, ainda mais com um sol de rachar como aquele, e ele ali, sentado como se estivesse na sombra, deve ser louco, pensou.
Gabriel foi indo para sua casa, pensando no pouco que tinha no bolso, e no quanto estava difícil para todo mundo, ainda se estivesse trabalhando, poderia ajudar o rapaz.
Continuou andando, e na metade do caminho parou de súbito, pensou no que era ter fome ou ter sede, ainda mais se a água fosse geladinha, e não ter como satisfazer-se no que era essencial, voltou, passou pelo homem sentado no mesmo lugar, só que agora cabisbaixo, e foi direto para um mercadinho que tinha na esquina, comprou uma garrafa de água gelada e um salgado, nem poderia gastar aquilo, mas confiava em Deus e em seus propósitos, e também não teria paz imaginando o homem sofrendo na rua.
Gabriel foi até o homem, que ficou surpreso, pois nada havia pedido, e disse-lhe que havia comprado uma água e um salgado para ele, e gostaria de saber se ele aceitava. O rapaz aceitou, não sem antes repetir algumas vezes:
- Você está me ajudando? Você está me ajudando? A mim?
E Gabriel percebeu que aquele homem se sentia invisível fazia tempo, pois parecia incrédulo no fato que alguém estava ajudando-o, que tivesse percebido sua pessoa, ele então pegou o lanche e foi logo agradecendo muito, desejando uma ótima semana , desejando tudo de bom na vida de Gabriel, e com um novo ânimo em seu sorriso, levantou-se e seguiu seu caminho, carregando o que tinha ganho como algo precioso demais.
De alma leve, pois sabia que no final quem ganhou mais foi ele, então, enfim, foi refrescar-se.
" O amor resume inteiramente a doutrina de Jesus, porque é o sentimento por excelência, e os sentimentos são o instintos levados à altura do progresso realizado. (...) Feliz aquele que, ultrapassando sua humanidade, ama com amplo amor seus irmãos em dores! Feliz aquele que ama, porque não conhece nem a angústia da alma, nem a miséria do corpo; seus pés são leves, e vive como que transportado para fora de si mesmo. Quando Jesus pronunciou esta palavra - amor-, ela fez estremecer os povos, e os mártires, ébrios de esperança, desceram ao circo." (Lázaro, Paris, 1862 -ESE)