UM GRANDE DESAFIO


Em meados de outubro, sob um céu rubro incandescente, Maria saiu do consultório de sua psiquiatra, com um diagnóstico definido. Acometida por uma grande depressão, a médica prescreveu-lhe alguns antidepressivos e a sugestão de procurar uma psicóloga. Assustada, triste, desiludida, caminhava de cabeça baixa. Os pensamentos mesclavam-se entre ansiedade e sensibilidade. Era uma mulher culta, havia concluído o curso de Filosofia recentemente e pretendia fazer mestrado em Epistemologia.

O motivo de tanta tristeza era inaceitável para ela até aquele presente momento, todavia uma alma que não reage às necessidades do corpo, dentro do mundo cognoscível, tentando absurdamente desvendar através de suas pesquisas o incognoscível, tornava-se um tormento, envolvendo um ser indagativo diante de tantos objetos inertes. Os questionamentos profundos, as meditações, as comparações e finalmente as respostas inconclusivas, afetavam-lhe constantemente. No decorrer dos anos e do seu curso, no qual ela sobressaiu-se de maneira brilhante vinham-lhe à mente as teorias.

Repentinamente lembrou-se de uma analogia de Reale, ao dizer que as coisas que captamos com os “olhos do corpo” são formas físicas e as coisas que captamos com os “olhos da alma”, são as formas não físicas. Seria algo substancial deixar um pouco de lado a primeira afirmação e voltar-se profundamente para as formas não físicas? Sim, porque a doença era de alma, exilar essa enorme tristeza, evidenciando pura e absolutamente as energias positivas através dos sentidos, poderia ser uma contribuição eficaz como provável cura entre recursos terapêuticos e físicos, com um grande alicerce psicológico sem abranger tanta negatividade ou desesperança.

Chegou num aconchegante apartamento de frente para o mar, no qual residia após o falecimento precoce de seus pais. Abriu a porta, os olhos percorreram a sala. Um sofá branco, com almofadas persas, compradas em uma loja em LA, por ocasião de uma viagem de férias. Quadros pintados por sua mãe, ornamentavam a sala à meia luz. Um piano fechado ao canto, muitas vezes tocado a quatro mãos, com uma amiga de infância. Um tapete persa e algumas almofadas todas jogadas displicentemente no chão. Caminhou até a varanda e ficou a observar o lindo oceano. A brisa, o aroma, as pancadas das ondas que se esparramavam em brancas espumas, um cenário onírico dentro da realidade proporcionava-lhe paz. As reflexões chegavam e apoiavam-se em seus ideais. Estar em contato intrinsecamente de modo coerente e analítico com sua essência foi trazendo-lhe leveza. Passavam-se as horas e ali permanecia inerte, absorta nas ideias.

Superar as adversidades não parecia ser nada fácil, todavia tudo dependia única e exclusivamente dela. A perda súbita dos pais foi fator preponderante admitiu, contudo a vida é uma sequência de fatos que muitas vezes não somos capazes de mudar. Num insight, Nietzche aflora nos pensamentos, com uma de suas máximas: “O que não nos mata nos fortalece.” Suspirando fundo e muito mais tranquila, um sorriso tímido e um semblante mais aliviado, ergue a cabeça olha para o alto e pensa: - Eu vou superar!

Indo além nas suas reflexões, pensou nos benditos profissionais, que se aprofundam, nos estudos à procura do autoconhecimento e posteriormente envolvem-se em um mundo infinito de personalidades e padrões distorcidos, sofridos, nos quais a insensatez, a obscuridade dos pensamentos e a busca da verdade traduzem a realidade degradante de seus pacientes. Inegavelmente eles são a esperança de milhões de pessoas, como Maria.

A vida e seus reflexos, o tempo e suas inflexões. Tudo pode mudar principalmente quando tomamos consciência, dessa transição de fatos e sentimentos. Ainda refletindo, de um modo consciente e prático, ressurge à mente um nome de grande repercussão no âmbito da psiquiatra e psicoterapia. O renomado suíço fundador da psicologia analítica, Carl Gustav Jung, diz : “Na depressão encontramos uma alteração, uma descentralização, de todo o ser, ou seja, de sua dimensão da totalidade. O indivíduo não encontra caminho para elaborar os símbolos do Self”. Abraçando essa categórica análise de Jung, Maria sente a vulnerabilidade do ser humano potencialmente. Estava ela, diante de preciosos conteúdos que de longe lhe trarião benefícios na sua ambicionada cura.

Finalmente um último pensamento antes de decidir sair dali e direcionar-se ao seu quarto para mais uma longa noite, decifra o sábio questionamento do poeta e teólogo persa, Rumi que diz: “ Por que você permanece na prisão quando a porta está completamente aberta? “ Maria pensando alto responde: - Porque só agora percebi que sou capaz de estar do outro lado da porta e pedir para a liberdade fechá-la.











 

Verdana Verdannis
Enviado por Verdana Verdannis em 09/05/2019
Reeditado em 18/10/2021
Código do texto: T6643067
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