A mãe de nós todos
     Dona Maria da Glória foi mãe de um único filho,mas adotou muitos de nós que vivíamos naquela singela vila de subúrbio. Sabia se impor, e nós tínhamos muito respeito a  ela. Era enfermeira da  Cruz Vermelha e por issso conhecida no bairro como simplesmente Dona Maria- enfermeira. Mas que mistério envolvia  aquela mulher que tão bem nos educava" para vida "? Era para mim e todas as demais crianças a nossa referência em costumes, moral e amor ao Próximo. Apesar de austera, tinha um quê de anjo, pois nos repreendia com amor. Não podíamos nem sem querer pisar numa plantinha, que lá vinha verdadeira aula de botânica e moral. -Planta, menino é vida ! Conserve-a! Ela nos fornece até remédio para curar muitas doenças,dizia. Nós ouvíamos a aula e aprendíamos a amar a natureza.
     Éramos crianças tão levadas de um mundo tão nosso, tão puro e livre de modernismos , dos celulares, e vez por outra nos machucávamos e corríamos para casa dela para que fizesse curativo nas nossas feridas. Imagina que éter era usado naquela época para fins medicinais. Mãe Maria fazia muito uso dele. Secava nossos ferimentos, passava mertiolate e cobria-o delicadamente com gaze e esparadrapo e  nos soltava para brincar novamente. Não esqueço que com ela aprendemos o que era lei do silêncio. Não admitia barulho nem festinhas depois das dez horas. Nesse horário, a vila se aquietava. Crianças na rua- nem pensar !
       Lembro-me de que ao passarmos perto de sua porta depois das dez, éramos unânimes  em sussurrar: -Gente, olha a D. Maria!
       Dona Maria da Glória imortalizou-se para nós. Hoje adultos, recordamo-nos daquela pessoa incrível com carinho. Lembro-me de  sua casa com escrivaninha de estilo antigo muito bonita e estante cheia de livros. Ela gostava muito de ler. Distribuía livrinhos para nós, depois nos cobrava o conteúdo da leitura. Adorávamos porque sabíamos que ganharíamos doces e balas. Havia no canto de um outro móvel antigo uma bombonier cheinha de balas que comprava para nós e nos oferecia quando merecíamos.
       Era solitária e triste, mas sabia como ninguém doar-se ao seu semlhante, principalmente às crianças. 
      Mais tarde soubemos que aquela velhinha tão querida perdera seu único filho, ex-pracinha da segunda guerra mundial. Lutara na Italia e regressou como herói. Contavam que foi muito homenageado quando regressou ao Brasil. Era o verdadeiro orguho dessa mãe, que, no entanto, viria a perdê-lo em pouco tempo por uma fatalidade cruel. O jovem sargento sofreria um acidente no jeep  que o levava para o quartel num dia de trabalho, ceifando aquela vida tão gloriosa precocemente e que tanto orgulho dera aos brasileiros . Compreendemos, então D. Maria. Passamos a entender sua abnegação por nos educar. Seu passado não podia ficar para trás  e na certa em cada um de nós tinha a oportunidade de resgatar o seu amor de mãe.




*  Homenagem a todas as mamães que um dia perderam um filho querido
Vilma Tavares
Enviado por Vilma Tavares em 06/05/2019
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