A MÃO FRIA DO DESTINO

No norte das santilhas surgira um rosto entorpecido e enxugado pela chuva. De um jeito vívido, seus traços pareciam estar cravados nas águas passadas, águas essas que o fizeram expressar tamanha tristeza. Em plena rua ficava bem perceptível, era um rosto dessabido, meio ingênuo, meio prudente, meio de caído e meio formoso. Parecia ter o que não queria e achado o que nunca procurou. E viveu com isso.

Era uma casa protegida que se deixou ser inundada, ao meu ver, se não me engano, parecia grande de perto e pequena de longe. Tinha uma estrutura forte e um jeitinho de alguém que cresceu somente com elogios ao se edificar arquitetamente. Suas projeções, o que não se via, aspirava ser sensivelmente tão equilibrada que se manteve tanto tempo em terra firme mostrando ser diferente, tão perceptível que foram tetos e telhas noutras casas ao redor.

No meio da sua inocente crença de que tudo que não tinha era tudo que precisava, existiam dúvidas e por trás delas eram só frases feitas de quem já passou por lá, naquela rua. Experiências que a fizeram se apaixonar pela vida, pelo amor e por nada. Era como viver sem as pessoas com quem elas partilhava e pessoas que a construíram.

Cada pedra contida nela, cada pintura, cada enfeite significava cada erro, cada decepção, cada alegria e cada sorriso dado por uns e por outros.

Vendo bem, era sim uma casa pequena... que queria ser grande.

-"Reconstrua-se!" Ouviu de muitos.

Reconstruiu errado.

"Cada pessoa, cada casa, só se torna a melhor, a mais bonita e bem vista, se estiver ao redor de casas, de pessoas que não são melhores, não são bonitas e bem vistas. O diferencial se subsai.

Mas o diferente se enturma."

Com o arrastar do tempo, foi se tornando grande como desejara, tão completa como diziam os vizinhos. Musaranhos invejaram, alguns agraciaram, já outros, parecia ser um espanto de tanto murgirem com os olhos e bocas abertas. O novo elance da viela parecera encoberto para muitos, pois manter sigilo distrai quem o mal atrai.

Mas nos entressonhos dos atentos, seu mundo fora só mais um edifício, difícil de se manter escondido. E em seu esplendido devaneio fora no entanto, uma verdadeira adição para a sua pequena, ingênua e linda casa. Rosto que parecia brilhar em vários lugares.

E lá se foram as nuvens que a sobrevoavam nela, o vento que a rebatia, o aroma de primavera e turistas que passavam. Deles, só o mão fria do inverno a tocara e com o frio tocou o destino, e com o destino foram os ritmos da ribalta que afogavam as luzes do mundo. Pois era o mundo e o mundo subtrai.

Nesse emaranhado os tempos culpavam seus bons momentos que eternizavam seus frágeis sentimentos, fizeram-na viajar, aquela casa sim respirava. E embora fosse só oxigênio nos dias acalentos, aquelas paredes a faziam inalar frases contadas, pois a lua que pousava em seu teto para fazê-la brilhar diante do resto era só uma simples fantasia. Pois essa lua, essa frase, pousava sob o teto de muitas outras casas...

E na descoberta surgira um rosto iludido, que incompreendido, sentira um mundo cair, o que foi difícil segurar. E foi assim que pilares degradavam e tetos e telhas caíam e mesmo sem poder, se manteve firme por um bom tempo. Até chover...

"Mas o que diriam dela? O apego a cegou. Mas o amor não cega se não for para iludir."

Foi então que no Norte das Santilhas surgira um rosto ferido, uma casa vazia. Pois ninguém preencheu os espaços.

Adilson Major
Enviado por Adilson Major em 30/04/2019
Reeditado em 30/04/2019
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