Beija-Flor do Parreiral

Retornar a sua terra era para ele uma espécie de renascer, uma espécie de catarse, Precisava aspirar o ar puro da serra, rever seu povo, visitar parentes, papear com companheiros de infância e adolescência,exercitar o cascatear de lembranças. Voltar às raízes era algo imprescindível. Tinha necessidade de acionar o computador da memória da sua cidade. Essa memória era um sentimento telúrico, parte integrante de sua personalidade.

Na verdade, compreendia que o fluir incessante do tempo modificava muito as pessoas, principalmente exteriormente. Ninguém, nem mesmo com a ajuda dos "Pitanguis", conseguia manter indefinidamente a estética da juventude Por outro lado, o tempo e os embates do cotidiano alteravam o comportamento, burilavam os modos refinando para melhor as pessoas, diminuíam seus ímpetos, domavam os arroubos e, em alguns casos, conseguam despersonalizar os mais fracos, aqueles mais susceptíveis à influência do meio, das ambições e das frivolidades. É isso aí: havia té quem procurasse negar as próprias origens. Porém, os mais fortes sempre conservavam a sua personalidade, Continuavam os mesmos moleques do parreiral dos tempos de criança e da adolescência, mesmo que os "parreirais" já não existissem. Ma sua memória eles continuavam. Ele sentia como era verdadeiro o verso da canção popular:'a gente era feliz e não sabia".

Assim, cada retorno era a certeza de viver bons momentos. Era de ceto modo ma aventura.Só que na sua última visita ele sentiu que a sua terra estava muito diferente. Não encontrou mais a cidade alegre, bem cuidada, enfrentando com destemor a crise econômica. Pelo contrário: quando chegou à praça principal ele pensou que estivesse numa daquelas cidades fantasmas de filme faroeste. Os sinais de incompreensível abandono eram evidentes. Faltava água e sobrava lixo, o comércio fraquejava, a indústria de alimentos que outrora fora a viga mestra da economia, operava a fogo morto. Pensou, aflito, estar vivendo a decadência dos engenhos dos romances de José Lins do Rêgo. Mas o que ele sentou de mais grave foi constatar a tristeza do seu povo. Ele estava triste, amargo, pessimista, sem esperança. O povo já fazia até piadas sobre si próprio , rindo da decadência da sua terra. Apenas uma pequena casta elitista e uma meia dúzia de áulicos estavam satisfeitos com a situação. Pensou: - Como alguém pode estar satisfeito com esse estado de coisas? Mas ele tinha fé que por detrás daquela tristeza e amargura havia um grande potencial de revolta. O problema era saber quem capitalizaria essa revolta.

Ficou ali no banco da praça-fantasma matutando, remoendo seus pensamentos, procurando uma explicação para os problemas da sua terra, para ao abandono a que a omissão dos elitistas e dos incompetentes a tinha relegado. De uma coisa estava certo: nao bastava apenas lamentar. Era muito pouco. Era preciso fazer alguma coisa. Lembrou-se então do comercial de Betinho, da resposta que o beija-flor dera aoa leão: "Posso não apagar o fogo da floresta mas pelo menos estou fazendo a minha parte". Era isso que ele iria tentar fazer. Tentar apagar o incêndio de incompetência e omissão que devorava a sua terra. Ecomeçaria por convocar os companheiros de mocidade, os que nao concordavam com os omissos, os conscientes, os de boa vontade, quaisquer que fossem suas crenças e ideologias e partidos. Era o momento de defender as suas raízes. Sentiu-se forte e digno da luta que iria travar. Lembrou-se, ainda, de um personagem de José Lins do Rêgo, o Capitão Vitorino Carneiro da Cunha (o Papa Rabo). Era um tipo quixotesco mas puro, telúrico, corajoso, sempre disposto a lutar contra a injustiça. Sim, ele iria fazer a sua parte: lutar por sua terra.

Escrita em dezembro/94.(tem quase um quarto de século)

P.S. Acho Ciro Gomes um político competente, mas além de vaidoso demais e invejoso, é ainda rancoroso. Essa afirmação que fez sobre Lula que está preso e sem poder responder foi não só demonstração de rancor e inveja, mas covardia. Ele disse que Lula era um caudilho corrompido. Está querendo mostrar serviço aos algozes de Lula. Ele acasa várias pessoas, mas não fala de inquéritos cabeludoscontra pessoas de seu entorno. Inté.

Dartagnan Ferraz
Enviado por Dartagnan Ferraz em 23/04/2019
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