O 13

Ao acordar todos os dias dava de cara com uma velha bandeira vermelha, voando pelos altos da periferia. Era a bandeira do 13, o símbolo de resistência e idolatria daquele senhor que trabalhava numa construção residencial interminável, mas a bandeira surrada estava lá, firme e forte. Aquele amor, aquela defesa, aquela fidelidade.

Política é paixão! Disto eu nunca duvidei, principalmente depois que conheci o 13. Um dia desses eu o vi, ele não morava no bairro, só trabalhava mesmo nessa construção sem fim na rua Primavera, porém, todos os vizinhos o conhecia, chamavam de 13, e é por isso que eu não sei o nome dele, e nem preciso. Era 2018, tempo de campanha política, a pior de todos os tempos, a mais cruel, intolerante, e odiosa, foi quando eu vi o 13 pela primeira vez, passado o alvoroço das eleições, quase no ano seguinte...

- Você viu quem o presidente convidou para sua posse?

-Eu tenho acompanhado na televisão...

- É rapaz, a Venezuela não vai, está proibida. Como é que pode o nosso país ter um presidente tão desumano e ignorante como esse. Não, eu não me conformo!

-Calma, 13. Deixa o homem decidir o futuro do nosso país.

-Nós estamos ferrados, não podemos cortar relação com os países vizinhos por causa de ideologias que nem ele entende. Eu vou embora que ninguém aqui tá me entendendo. Depois você me diz no que deu, se não vai dá merda.

E assim o 13 ia, com seu boné vermelho, sua roupa simples, seu carrinho velho com um cartaz colado no para-brisa de trás, do seu presidente de coração e alma. Notadamente, corria em suas veias o sangue de sindicalista ativista aposentado, cumprindo o seu papel de cidadão politizado, defensor ferrenho da igualdade social, da justiça e do trabalhador. Ano de 2018, e ele não tinha facebook, whatsApp, perdido na sua forma de fazer política, a raiz, a de rua, a de boca em boca. Incompreendido, coitado. Mas, simplesmente incansável.

-Lula livre! (Um dia eu o disse, só para ver sua reação)

Abismado! Encantado! Atento! Deve ter pensado:

-Alguém está comigo nesta rua, nesta luta.

Pois ninguém concordava com o 13, sua luta era árdua, sua garganta secava, seus olhos arregalavam, sua cabeça pirava e mesmo assim não era ouvido, e muito menos compreendido. Era sempre tratado como doente político de um partido falido. Corrupção nunca mais, meu amigo!

-ÔH 13! JOGA FORA ESSA BANDEIRA!

Quando se diz que a esperança é a última que morre, lembro-me do 13. Seus amigos sindicalistas, agora todos velhos, nem se encontram mais, pois nem um tem redes sociais para marcar os encontros e fazer campanhas, depois de anos de seu partido de alma no poder, se perderam e se surpreenderam com uma nova era, e o 13 continua, continua como formiguinha na sua luta.

Num domingo qualquer, eu estava passando na rua Primavera, encontrei o 13 todo empolgado com um smart phone, deslizando os dedos meio desconexos na tela, e olha só, mexendo no facebook, mandando altos áudios no whatsApp...

-Olha, parece que eu me enganei todo esse tempo...é preciso mudar!

Depois, foi para o outro lado da rua tomar cerveja com os vizinhos. Numa harmonia nunca vista, juntos torcendo pelo Brasil, agora era Seu João. Naquele ar estranho, desci a rua primavera, lá embaixo havia um carro, parecia o do 13, mas não tinha cartaz nenhum no para-brisa, intrigada fui para casa.

Alguns dias depois, num dia normal de manhã, acordei e fui até a janela da varanda e não dei de cara com a bandeira vermelha à voar. E uma espécie de tristeza me cobriu, quando me deparei com uma bandeira verde e amarela. Daí então, imaginei: o 13 (Seu João) se corrompeu.

(In Contos de [des] encantos; Gracy Morais)