O Jovem Escritor
Sentado, durante a noite, em frente à tela do computador, refletia o jovem escritor, angustiado: "Preciso pensar em alguma coisa". Assim ele se queixava consigo, dizendo: "Já faz tempo que eu não escrevo nada!".
Ele, como muitos outros autores, fazia parte de um site oficial para escritores. Neste recanto virtual participavam desde os mais simples amadores até os profissionais de renome. O jovem, mesmo com vários textos publicados, ia aos poucos desconsiderando a esperança de ter seu nome reconhecido entre os melhores ou ser, sequer, por alguns admirado.
"Eu queria ser como este homem!", assim pensava o jovem ao ler mais uma obra de um autor muito conhecido entre os escritores populares do espaço virtual. O suposto homem, que assinava utilizando um pseudônimo, trazia a público mais uma de suas famosas obras. Tratava-se de um Conto, cujo título era: "Os doces lábios de Maria". Ao ler mais esta excelente arte, o jovem escritor dizia consigo: "Quanta eloquência! Quanta sensibilidade! Quanto amor expresso em cada palavra, em cada detalhe!
Enquanto isso, o jovem, quase anônimo, sobre a luz fluorescente da lâmpada de seu quarto, almejava chegar perto do mesmo auge do admirável escritor renomado. Por isso, mais uma vez, ele se reclinava sobre a mesa tentando fazer mais um rascunho do que poderia ser, pelo menos, algum verso de um poema qualquer.
Enquanto rabiscava, ele ouvia, como de costume, uma voz familiar: "Vai pro inferno!" Este era mais um dos gritos do seu vizinho. Um homem de 70 e tantos anos que morava no apartamento ao lado. Durante sua concentração, o jovem tinha até esquecido do vizinho brigão e meio desequilibrado com quem tinha que conviver.
O tal homem também morava sozinho, mas, constantemente, ouvian-se seus gritos e 'chingamentos' quando ele discutia ao telefone em voz alta. O diálogo, frequente e conturbado era com a ex mulher, filhos e netos, dos quais não recebia uma visita sequer, por causa do seu temperamento nada agradável. Após demostrar todo seu descontrole emocional, o homem ouvia uma música dos anos de 1960 e só então dormia. Nessa hora, em que o silêncio outra vez reinava, o jovem escritor tentava novamente uma inspiração, mas, desistindo, acabava adormecendo também.
No dia seguinte, como ocorria em todas as manhãs, o jovem saía de sua casa para mais um dia de trabalho. Saia também, da casa ao lado, o vizinho brigão que, apressado como sempre, passava pelo jovem desejando-lhe um cordial "Bom dia". Essa atitude do vizinho em nada se assemelhada com os palavrões e chingamentos que claramente podiam ser ouvidos do seu apartamento na noite anterior.
Neste dia, porém, passando pelo jovem escritor, o homem, sem perceber, deixou cair alguns dos papéis que segurava. O Jovem, sem exitar, chamou o homem e correu para pegar os papéis e devolvê-los, antes que fossem levados pelo vento. Porém, para a surpresa dele, naqueles papéis do ancião estava, rabiscado de caneta, um rascunho de um conto, muito selhante a uma obra recém publicada no site de escritores. O jovem escritor parecia conhecer muito bem a autoria, não somente por causa da data precisa em que aquilo foi escrito e da assinatura do nome pseudônimo do autor, mas, principalmente, por causa do título que havia ali. Era nada menos que: "Os doces lábios de Maria".
Perplexo, sem reação, o jovem escritor apenas olhava profundamente nos olhos do seu vizinho para quem devolvia os papéis. O homem, retornando para pegar seus escritos, agradeceu ao jovem por devolvê-los, no entanto, demonstrava estar incomodado com aquele olhar penetrante em sua direção.
Parado e olhando constantemente para aquele senhor que caminhava em direção ao carro, o jovem refletia consigo. Ele começou a pensar sobre a sua vida e sobre suas conquistas e ambições, até que, nesse momento, lembrou -se de um pequeno detalhe: o telefonema não atendido de Maria, uma antiga namorada da faculdade.
Maria havia ligado para ele naquela noite anterior sendo propositalmente ignorada. O jovem recordou que nem ao menos se lembrava do porquê que eles haviam terminado a antiga relação, talvez devido a alguma briga qualquer que ocorreu entre eles. Nesse breve instante, ainda com os olhos fixos no carro do homem que dobrava a esquina para o seu destino, o jovem resolveu retornar a ligação para Maria e decidiu convidá-la para saír com ele no próximo sábado a noite.Tempos depois, o jovem e a Maria se casaram.
Anos mais tarde, lá estava ele, o antigo jovem escritor. Enfim, já não era mais tão jovem e, com relação a vida de escritor, continuava quase anônimo. Porém, chegou o dia em que poderia declamar em voz alta a sua mais nova poesia. Esta era uma de suas obras mais aguardadas por uma pequena platéia de notáveis admiradores: filhas, filhos, genros e netos. Com satisfação, ele debruçava sobre o valoroso trabalho de sua autoria, uma homenagem aos seus 35 anos de casado, que terminava assim:
"Eu, sim, posso dizer que passei, por toda vida, provando dos lábios doces de Maria".