Os meus 36 anos
E de repente o tempo passou…Sempre me dei com gente mais nova do que eu, e até era bem aceite entre eles e elas, mas de há uns anos para cá a situação começou a mudar, essa aceitação deu lugar a uma certa distância traduzida na abordagem que me fazem anónimos que em vez de me tratarem por “tu” o substituem por um irritante “Você”, e só reparei realmente hoje, quando um garoto de liceu me tentou cravar um cigarro utilizando um “O senhor tem um cigarro que me dê?”; o senhor??? Meu Deus o tempo terá assim de facto passado tão depressa por mim que nem dei por isso, ou dei ao “ralanti”? Como diz o meu irmão, eu não sou distraído, sou um “desligado” que não vê a velocidade pessoal do seu tempo…Uma coisa é analisar as mudanças no mundo e na sociedade, outra coisa é em mim…Claro que o tempo “esse grande escultor” passou por mim, mesmo fisicamente – Tenho uns quilos e barriguita a mais, uns cabelos brancos que até aparecem na barba quando a deixo crescer (embora contrarie estes com um corte de cabelo sempre curto que diminui os tais cabelos brancos, auto-estarda da sabedoria e sinal que estamos a entrar na idade onde se formam os sábios.)
O tempo passou…Mas ao mesmo tempo não…continuo a ter uma capacidade física semelhante aos meus 18 anos, como o que me apetece e bebo quando o apetite pede uma cerveja, mas continuo a sentir-me muito bem nas minhas 8h de sono e 8h de trabalho e tempo para mim. Mas o tempo passou de facto exteriormente e até a nível interior, pois já tenho o aspecto de trintão e o colesterol alto fruto dos excessos alimentares, as pessoas mudaram ao ponto de eu próprio não saber se realmente mudei. Sinto-me mais sábio, mais calmo, mas continuo a amar ao mesmo tempo de forma intensa e suave, marca de nascença que o tempo não apagou, continuo a ser o amigo fiel e dedicado, se bem que por vezes excessivo nos carinhos àquelas pessoas a quem me dedico, continuo a ter essa capacidade infinita de acreditar que um dia vou encontrar o amor da minha vida e de com ela encetar a mais bela das histórias de amor, continuo a ter intacta essa capacidade de me deixar seduzir por novos textos, livros, musicas, filmes, continuo a encontrar o eco do meu “eu” quando dirijo uma interrogativa introspectiva ao meu interior para saber quem sou e para onde quero ir…Sinto-me mais calmo, mais perto espiritualmente duma entidade suprema, perto de um equilíbrio que prossigo desde sempre e que vejo perder-se quando o alcanço como lágrimas na chuva. Nos últimos tempos fiz novos amigos bem mais novos do que eu e que me aceitaram quase de imediato e trataram e tratam com um enorme carinho, sendo que um destes dias num jantar que fizemos chegaram ao ponto de me tratar por “tio” algo que me aborreceu e que deu lugar a um dos raros momentos de amuo da minha personalidade; espantados inquiriram-me de tal atitude pelo que eu respondi que era mais velho, mas não como um “tio” mas como um irmão mais velho e que esse termo se adequa à cruel distância geracional que me separa deles e delas, pois eu mentalmente me sinto como este grupo de gente tão nova, mas ao mesmo tempo tão sábia, tão genuinamente boa.
E nesta suave encruzilhada que de facto atravesso me sinto um homem feliz e quase realizado – apesar de um projecto de escritor que nunca mais se afirma na forma e nos sentidos, continuo a escrever e a tentar ser a cada linha algo de maior – tenho uma família e amigos quase ideais, sou amado, estimado e amo e estimo, e tenho também um emprego que me completa profissionalmente pelos irresistíveis projectos que a cada dia me dão e que tento completar da melhor forma possível, sendo que finalmente penso ter encontrado um local onde queira ficar e por fim envelhecer, doce e suavemente, não com as vagas do passado que periodicamente me assolavam e quase afogavam, mas como pequeninas e suaves ondas que me molham deliciosamente os pés à beira do meu mar existencial.
E continuo a amar as estrelas como desde o inicio, sonhando em ser como elas, em viajar entre elas, ou então apenas e tão somente em as observar e crer nesses instantes que “impossível” é uma palavra que não deveria estar nos nossos dicionários pessoais e literários.
O mundo de facto mudou, mas mantenho intacta uma característica da minha personalidade, a capacidade inata de sonhar e de recriar esses sonhos até ao limite corpóreo, sensorial e etéreo, e sentir que tal irá perpetuamente acontecer até ao dia, que espero distante, em que me encontre "finalmente face a face com o Invisível"