Lembranças
Ele abriu os olhos e olhou para o teto branco em cima de si. A muito custo virou a cabeça e com a visão turva viu em sua frente uma pessoa vestida de branco que arrumava alguma coisa próximo da janela. O quarto tinha um cheiro estranho, seu corpo doía. Tentou em vão esboçar alguma reação, mas sua voz, teimosamente, não saiu de sua boca. Tentou gesticular, mas seus braços não lhe obedeciam.
Superando uma dor que nunca tinha sentido antes, ele virou a cabeça para o outro lado e viu uma série de vasos com flores coloridas, algumas meio murchas, que estavam dispostas em cima de uma mesa próximo da cabeceira da cama. Uma televisão que ficava elevada aos pés da cama transmitia algum tipo de programa onde os telespectadores ligam para responder perguntas e ganhar prêmios. Ele odiava esses programas.
Voltou a cabeça, com muito custo, para a pessoa de branco que antes estava ali e tudo que viu foi um vulto saindo pela porta do quarto. A turves que fazia parte de seus olhos agora desaparecera e ele podia ver claramente e ter a certeza que estava em quarto de hospital. O cheiro impregnado no ar era inconfundível.
Buscou no recôncavo da sua mente o que tinha acontecido, mas não encontrou de imediato a lembrança. A primeira coisa que lembrou foi do olhar da mãe, cheio de orgulho e sorrindo para ele. Aquela era a sua formatura. Aquele foi um dia feliz.
Criado por uma mãe solteira e abandonada, ele se formou em primeiro lugar no curso de engenharia civil. Isso lembrava-se muito bem. Lembrou também através de flashes rápidos como ascendeu na profissão e por um instante se viu na sua sala, desenhando um novo projeto ou algo assim. Pode sentir o prazer que aquilo lhe trazia.
Lembrou-se do rosto e do olhar de Mafalda. Como ela era bonita. Tinha os dentes brancos, bem desenhados, rosto magro e simétrico, ela o amava. Sim, ele tinha certeza que Mafalda o amava. Ele lembrou que também gostava dela, mas que por algum motivo que nem lembra mais direito, a deixou partir para nunca mais voltar. Porque fez isso? Ele se perguntava, mas por mais que se esforçasse não conseguia encontrar tal resposta.
Virou a cabeça novamente pro lado e viu o soro pingando lentamente acima de si. Havia uma máquina, em algum lugar que ele não conseguia identificar, que apitava repetidamente. “Isso deve ser coisa séria, ele pensou, mas o que aconteceu comigo? Por Deus eu não lembro.”
Tentou buscar as suas últimas lembranças e tudo o que veio foi o gosto de café que ele tomou pela manhã. Morava em um grande apartamento, muito bem projetado e decorado. Aquele apartamento sempre lhe fora um verdadeiro orgulho. Tornou a lembrar da mãe. Onde estaria sua mãe.
Ela nunca quis morar com ele, mas estavam sempre juntos. Olhou para o teto branco e foi como se aquela branquidade servisse de tela para uma lembrança que assaltou a sua mente. A mãe sentada no banco do carona e ele ali dirigindo, olhando para ela.
Lembrou-se nitidamente do sorriso dela. Um sorriso de guerreira, de quem muito lutou na vida, mas que olhava para seu filho com orgulho. Ele sorriu ao ver o sorriso dela, mas de uma hora para outra o rosto dela ficou sério.
A boca dela se movia, ele tinha certeza que ela estava falando, mas não conseguia entender o que era. “Fala mais alto”, ele mandava através de seus pensamentos, mas ela não obedecia e ele seguia sem compreender.
Tentou fixar ainda com mais força sua atenção naquela lembrança. A mãe agora estava com uma expressão de assustada e seguia falando, mas ele não seguira sem ouvir.
Sua lembrança foi cortada pela entrada do médico no quarto. Ele olhou para o homem de branco, que suspirou, ao olhar para ele. Ele tornou a olhar para o teto e a lembrança da mãe lhe voltou a mente e agora ele ouviu a voz dela.
- Vai mais devagar meu filho, você vai matar a gente...
Foi só o que ele ouviu antes de tudo se apagar novamente.