Sim! Valeu A Pena Pierre! (ParteII)

Pierre era filho único e tinha vinte e oito anos quando, assumindo o lugar de seu pai, que morreu na segunda guerra, fugiu da França para o Brasil com a sua mãe, vindo morar com parentes de sua família no sul do país. Trabalhou muito durante a sua vida e acabou se tornando um dos mais prósperos fazendeiros da região, sendo dono de muito gado e de muitas propriedades. Casou-se e viveu feliz com sua amada Lívia durante exatos trinta e cinco anos, quando ficou viúvo. O casal não teve filhos, e entre risos ele costuma dizer que foi o trabalho árduo que não deixou tempo para se dedicar mais a esta tarefa... E foi, realmente às custas de muito trabalho e de muita perspicácia que ele conseguiu construir um verdadeiro império, reinando absoluto até o dia em que resolveu abdicar para viver recluso naquele abrigo.

E naquela tarde de outono, ele se aproxima da janela daquele amplo quarto onde se recolhe, escancara-a de par em par, enche os já enfraquecidos pulmões com aquele puro e perfumado ar campestre e, fixando firmemente o seu olhar naquele horizonte longínquo onde os últimos raios de sol parecem despedir-se de mais um dia que finda, prenúncio de mais uma tranquila noite que certamente lhe será reservada; ele apoia o queixo sobre as palmas daquelas então enrugadas e trêmulas mãos, que o malfadado Parkinson teimava em descontrolar e, como se em sua mente se desenrolasse em velocidade assustadora todo um filme da sua vida, ele faz a si mesmo uma pergunta: "Será que valeu a pena? Será que valeu apena ter vivido tanto?"... Inadvertidamente um grande e demorado sorriso lhe surge nos lábios, iluminando aquela sua encarquilhada face que o tempo modificou, e como se fosse uma resposta àquela sua pergunta; dentro do seu coração ele encontra a resposta: "Mas é claro que valeu a pena, Pierre!". Foi quando, despertado para a realidade, ele ouviu aquele esperado 'toc, toc' na porta; sinal de que a enfermeira estava chegando com o seu indispensável chazinho de cidreira do qual não abria mão de jeito nenhum antes de deitar-se; sinal de que mais um ótimo dia havia se passado em sua vida.

Pierre estava tranquilo; certo de que a sua vida valeu e ainda estava valendo a pena. E a certeza de que realmente tudo havia valido a pena podia ser corroborada no bordado azul-claro que se destacava no bolso da impecável veste branca da enfermeira que lhe servia o chá, onde se podia ler: "Fundação Jean Pierre - Paz e Bem".

Pois é; Jean Pierre foi o idealizador daquele agradável abrigo, e o criou ainda nos tempos em que a sua mãezinha ainda vivia; quando ela já estava bem velhinha e ele se deu conta de que não tinha ninguém a quem confiar aquele seu valiosíssimo tesouro -que era a sua mãe-; ela merece o que de melhor existe para viver os seus últimos dias, pensava ele... Por isso ele era; nada mais, nada menos, que o fundador e mantenedor daquela luxuosa casa de repouso, que acabou se tornando uma das favoritas dos magnatas do mundo inteiro, que pagavam uma verdadeira fortuna para ali abrigar os seus entes queridos. Inteligentemente, Pierre viu naquele empreendimento uma fonte inesgotável de recursos, e o elegeu como principal fonte de geração dos recursos necessários e suficientes para manter funcionando a contento, não só aquele casarão; mas também outras cinco casas de repouso espalhadas naquela região, estas bem mais simples, porém eram gratuitas e destinadas àqueles idosos menos afortunados.

A resposta para aquela sua pergunta, é 'Sim' . Sim, valeu a pena Pierre; sua vida já valeu a pena !