Conto das terças-feiras – Orar por chuva pode acabar casamento

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 26 de março de 2019

Maria de Fátima e José Aparecido, ela nascida e residente em Quixeramobim, Sertão Central do Ceará, ele de paradeiro quase desconhecido, dizia ter nascido no Rio de Janeiro, se prepararam para unirem-se matrimonialmente em 19 de março, dia de São José, padroeiro do Estado. A pequena Igreja estava lotada, a noiva, filha de rico fazendeiro local estava linda em seu vestido branco. O noivo, em seu terno cinza, emprestado de um amigo, não lhe caía bem, ele não ligava para isso.

Antes de iniciar a cerimônia, caiu torrencial chuva, que desalojou boa parte da população local. Até a pequena Igreja sofreu, entrou água pela nave central, chegando aos pés dos noivos. Foi uma chuva que caiu de repente, ninguém esperava, pegando a todos de surpresa, o céu havia acordado limpo, sem nuvens. Madrinhas vestidas para a ocasião, daminhas e pajens assustados por causa dos trovões e relâmpagos que ciscavam no céu. O padre recomendou que ninguém saísse dali naquelas condições. Que todos deveriam orar e agradecer a Deus pela chuva.

— Eu disse que não queria reza pela chuva. Que isso é uma besteira. Chuva é um fenômeno natural - falou o noivo.

Irritada com o que estava acontecendo e com a observação do noivo, ela respondeu:

— Não vamos continuar com essa conversa, esta chuva pode ser um bom sinal para o nosso povo e para nós mesmos.

O padre, ouvindo aquela discussão tão áspera, chegou-se mais próximo aos noivos e perguntou o que estava acontecendo.

— Padre, o meu noivo José Aparecido diz que não adianta rezar para santo nenhum, chuva só a natureza resolve.

O santo homem tentou contornar aquele impasse, falou que não há nada demais em rezar, orar por algo que lhe venha trazer benefício. O noivo balançava a cabeça negativamente, o que deixava mais irritada a noiva. O sacerdote pediu desculpa e se afastou. O pai da noiva, que conhecia a opinião do futuro genro e ouvira a conversa deles com o padre, aproximou-se:

— José Aparecido, você apareceu por aqui e não sabe nada das nossas tradições e necessidades. As lavouras da região sofrem com as secas prolongadas. As orações para São José, no seu dia, pedindo chuva, embora não seja cientificamente comprovada a eficácia do método, traz esperanças a todos que labutam no campo, cuja crença é alimentada pelo feriado dedicado ao santo, que coincide com a estação chuvosa no Ceará.

— Eu não me importo com isso. O que vale é ter dinheiro, como o senhor, que consegue tudo o que quer – enfrentou o sogro com ferocidade.

O pai da noiva, desgostoso com a rispidez do rapaz, falou:

— Você não se preocupa com nada, nem mesmo em trabalhar. Todos nós aqui nos levantamos sempre com os primeiros raios do sol. Pegamos nossos instrumentos de trabalho, uns com trator, outros com pá, enxada, arado, balde, para levar água para as plantas, para tirar o nosso sustento da terra. E fazemos isso com fé. Muitos, só em olhar para o céu pela manhã, já sabem que o santo vai favorecer com água ou não, concluiu o experiente fazendeiro.

Toda aquela conversa foi revoltando ainda mais Maria de Fátima, que durante dois anos tentou modificar os costumes e modos de viver de José Aparecido. Vendo que não conseguira, partiu para a ignorância e jogou o buquê, feito com flores do mandacaru, para cima do noivo.

— Não quero mais saber de você, saia de minha vida! - exclamou, com expressão de muita raiva e desfazendo-se do buquê.

O pai da noiva abriu largo sorriso de satisfação ao presenciar aquela cena. Foram inúmeras tentativas para dissuadi-la a largar aquele malandro.

Haroldo, que assistia tudo da porta da igreja, com ar de profunda tristeza, avançou, pela nave central, em passos lentos em direção à noiva e, ao chegar próximo ao altar, ao lado dela murmurou:

— Eu disse, certa vez, que nunca a abandonaria. Aqui estou para cumprir minha promessa.

Ela se virou para o rapaz, enxugou as lágrimas que caiam em abundância, abriu os braços, deu dois passos em direção ao amigo de infância e se apoiou em seu ombro. Ficaram por longos cinco minutos nessa posição. Os convidados não entendiam o que estava acontecendo. A alegria do pai da noiva redobrou, aquele rapaz era de seu agrado, sempre recomendando que a filha deveria se casar com ele.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 26/03/2019
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