"CANTADA" INFALÍVEL
"CANTADA" INFALÍVEL
Astrogildo só não vivia "no mundo da Lua" porque a dita-cuja estava muito longe naquela época, os anos 80, embora astronautas americanos já a tivessem visitado -- segundo muitos -- ou encenado grotesca farsa, bem convincente. Mas "Astro" ("ao seu dispor", como se apresentava) tinha os pés na Terra, ou na terra, pelo menos quando não estava pilotando (?!) o maltratado calhambeque, apelidado de "Possante", ou tinha que empurrá-lo porque estava "no prego" ou a bateria arriara.
Como todo conquistador barato, além de desocupado e inútil, "super-Astro" -- só para os amigos, aos quais dava carona, se pagassem a "gasosa" -- "Astro-sonso", digo, Astrogildo, tinha "estacionamento" cativo bem em frente ao melhor colégio de Capivara (?!) do Sul, claro que na hora da saída das normalistas, se é que ainda se usava o termo no início de 1980 e tantos. Vinham elas de saia azul-escuro plissada, as meias brancas destacando as belas pernas e a blusa branquíssima perfeitamente engomada "delineando" os rijos seios em formação, um colírio para os olhos.
As garotas quando avistavam o Corcel Chevette 1960 "e tal" -- não seria uma Belina ?, nem êle sabia ao certo, tantas "reformas" sofrera o trambolho -- atravessavam para a calçada oposta ou invertiam o itinerário, apenas para não enfrentar as manjadas "cantadas" do "Super-Astro", superadas mas "infalíveis", achava êle, pouco lhe importavam os insucessos cada vez mais frequentes e as falhas. Uma desavisada -- ou apressada -- decidiu cruzar seu caminho, palito velho no canto da boca e bigodinho "vassourinha", calça xadrez berrante, sapatos "cavalo de aço" vermelhos com bico branco e, claro, camisa estampada de turista japonês, com as mangas curtas dobradas até o canto dos ombros, a exibir os músculos que não tinha, por falta de ocupação ou exercício.
-- "E aí, brôto, que tal uma carona ? Entra aí" !
-- "Eu ? Entrar "nisso" daí... vê se te enxerga" !
-- "Só tenho olhos para ti, minha deusa, nora que mamãe pediu a Deus ! Meu possante tem 65 cavalos, anjinho, vamos cavalgar até o Céu" !
-- "É mesmo ?! Curioso, só vejo 1" !
-- Ignorando a "patada", Astro insistiu:
-- "Deixa de bobagem, gostosa, vais a pé porquê" ?!
-- "Nessa "banheira" eu não entro nem morta" !
-- "Herança do meu avô, loiraça... é antigo mas o motor está tinindo, naqueles tempos se fazia carro bom de verdade" !
-- "Ora, veja só... e eu pensando que você tinha achado essa "porcaria" num ferro-velho" ! (Naquela época ainda não existiam os "lixões" !)
Astro-galã "engrossou". "perdeu o rebolado":
Vê se não toma o meu tempo, "mina", pára de "fazer c# doce" (*2) e entra logo nessa p#rra, já levei garotas bem melhores que você, aqui" !
-- "E enterrou elas aonde ?! Devem ter morrido de vergonha ! Nem me pagando entro nessa "joça" !
-- "Eu lá sou homem de pagar alguma coisa pra mulher ?! Vá a pé, "baranga"... nesse aqui você não entra nem implorando, já ouvi desaforo demais" !
Cuspiu o palito, tirou carteira de Minister -- o cigarro fazia sucesso entre jovens, era "mais suave" do que Hollywood ou Continental -- e de cabeça baixa riscou o fósforo, observando a reação da moçoila.
-- "Ah, me dá 1 cigarro" ! (Bingo, o "truque" não falhava, agora tinha que pesar cada passo !)
-- "Dou sim, amorzinho, é só entrar no carro" !
-- "Não, obrigada... pedi teu cigarro, não tua companhia" !
(Merda... falhara de novo, agora era esperar a manhã seguinte !)
-- "Sai fora, boneca, teu tempo acabou, tictac, tictac" !
-- "Eu é que perdi o meu, palhaço, "coisa" ridícula" !
A frente da escola estava quase vazia, nenhuma "vítima à vista, só lhe restava aguardar a saída das 17 horas do Colégio das freiras ou a do Ginásio Estadual, mais meninas sorridentes prontas para ouvir as eternas "cantadas" dele, afinal era esse o seu "trabalho" diário, não podia faltar. Molhou o indicador direito na língua e, agachado diante do retrovisor, ajeitou as sobrancelhas. Apagou cuidadosamente o meio cigarro na caixa de fósforo e o guardou dentro dela... ligou a calhambeque e partiu, assobiando canção do Roberto Carlos.
"NATO" AZEVEDO (em 24/mar. 2019, 21 hs)
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OBS: (*1) CAPIVARA - espero que não haja Cidade alguma com este nome e, se houver, que nela não exista nenhum Astrogildo.
(*2) "FAZER C# DOCE" - a expressão existia e era bastante usada, principalmente entre amigos, significando "se fazer de difícil", "bater pé", embirrar.