Encontrando ironias na vida pós-depressão
A fila de saída do avião parecia infindável. Também pudera, todos se levantaram juntos e queriam sair ao mesmo tempo pelo ínfimo espaço da porta. Ela olhou bem para aquela cena, revirou os olhos, e decidiu também se levantar para agarrar sua mochila no meio daquela muvuca. Sentia que mover-se depois daquela longa viagem a transformava em uma residente local. Queria enturmar-se e mostrar que só porque veio do interior também tinha pressa.
Logo notou, no entanto, que estar em pé e pronta para sair não faria qualquer diferença na sua vida. Pelo contrário, se sentiu estagnada e frustrada vendo toda aquela gente que parecia brotar das poltronas mais à frente. Via-se imersa num mar humano, lutando para chegar a praia. Por um momento, sentiu a cabeça girar e o corpo dizer que não queria passar por aquilo tudo de novo.
Viu que tinha que pensar em outra coisa. Não queria fracassar novamente. Sabia que essa era a última chance. Última mesmo. Todo o passado veio com força total em sua mente, e aquele medo de que a depressão fosse se tornar sua companheira novamente tomou conta dela por completo.
A depressão, aquela doença que é considerada o mal do século, era para ela um hóspede indesejado. Já perdera a conta de quantas vezes conseguira botar para fora de casa aquele hóspede, e de quantas vezes ela retornara com aquele parente indesejado que não te deixa ser quem você de fato é. Um arrepio percorreu sua espinha. Se ao menos esta fila andasse, pensava aflita com as sobrancelhas arqueadas. Ela sabia, por experiência própria, que estar em movimento a ajudava a lidar com aqueles pensamentos.
De repente, um sinal. Alguém da companhia aérea mandando todo mundo sentar novamente. O avião seria posto em movimento na pista. Foi uma zoeira, gente reclamando, gente rindo, gente se esfolando. Um casal de velhinhos que nem tinha se levantado e ficou vendo aquele pessoal todo voltando meio que atabalhoadamente para seus lugares. Famílias que antes estavam juntas e agora estavam a três fileiras de distância. Gritos. Um caos. Aquilo não fazia bem a ela. Assustou-se quando um homem de quase 2 metros lhe pediu licença. Só então notou que estava no meio do corredor bloqueando a passagem de todos ali. Sentou-se emburrada, aquilo era como voltar atrás do que havia decidido anteriormente. Tinha que sair do avião. Tinha que tentar novamente.
E ficou ali, sentada e ofegante, com as mãos bem fechadas nos braços da poltrona, dizendo a si mesma que aquilo não era um sinal para voltar, era simplesmente um inconveniente. Um detalhe da viagem que não importará nada depois que sair dali. Um caso para contar aos amigos e parentes quando finalmente tiver conseguido o que veio buscar. Ou então será um lapso na sua memória no futuro e não precisará lembrar daquilo novamente.
A aeronave foi reconduzida a uma nova posição sob gritos de “é um absurdo o que estão fazendo conosco”, “nos tratam como lixo”, etc. A mesma coisa de sempre. Mas naquele meio tempo algo aconteceu dentro dela que a fez encarar tudo com uma leveza simplesmente contagiante. Se tudo der errado, pensou, pelo menos vou poder dizer que a viagem já começou mal na chegada. Para algumas pessoas, isso não faz o menor sentido, mas para ela fez. E no meio daquela zoeira do desembarque, ela era a única que ria em meio ao caos.