Um Julgamento
Parecia que tudo estava esclarecido; não havia como duvidar de que havia encontrado o Culpado. Se afirmam que contra fatos não há argumentos... bem, fatos não faltavam. Estavam todos ali, dispostos diante do Juiz, o Acusado tentava disfarçar a cara desmoralizada com que admirado se deparava com a admissão. Ele ainda poderia usar seus últimos artifícios desesperados para deter o veredito esmagador que o levará diante da confissão que o aliviará. Mas ele não fará isso. Não dessa vez. Depois de tantas negações, quem sabe aceitar o que ele tanto teme lhe ofereça o falso conforto que o castigo traz. A dor talvez purifique...
Mas o que antes foi ferimento não se acostumará a ser cicatriz, ele vai doer porque somente assim algo ficará marcado de maneira a não ser esquecido; isso é o que fica; uma marca.
Constrangido, o Acusado percebe que não pode se permitir sequer abrir a boca para alçar um voo de defesa sobre a cratera de culpa que se abre sob seus pés. Calado, ele ainda ouve a voz que lá no fundo insiste que ele pode contornar o óbvio, encontrar uma saída enganando-se com a venda da inocência. Mas o Juiz sabe...
“Diante dos fatos aqui apresentados e revistos- o Juiz olha nos olhos do Réu- acredito que o júri já tenha uma decisão”, o corpo do júri, composto por apenas um jurado, anuncia: “Culpado!”.
A sala abafada está em silêncio. O Acusado agora sabe que é Culpado. Mas ele já sabia. Ouvir, apenas o espreme contra o orgulho que sempre fez questão de enganá-lo dizendo-o que ele estava certo, a culpa era dos outros...
O Juiz quer ter compaixão, não é a primeira vez que encara o Acusado e o vê com lágrimas que quase escorrem. Mais uma vez, ele irá proferir sua sentença diária...
“Pelo poder conferido a mim por mim mesmo, eu me sentencio a conviver com a culpa até que se refaçam os danos causados a mim por minhas escolhas e pela falta delas. Sabendo que eu farei o possível pra não aceitar as palavras aqui proferidas, concedo ao Réu o direito de guardar o que sabe em silêncio, pois assim, lembrarei que somente a mim afligirá qualquer arrependimento”, e o martelo se fez soar...
Em algum lugar, um homem caminha pela solidão... confinado em seus pensamentos... apenas mais um homem, Juiz de seus próprios fins...