Conto das terças-feiras – A casa mal-assombrada do meu avô materno

Gilberto Carvalho Pereira – Fortaleza, CE, 12 de março de 2019.

Diferentemente dos contos sobre casas assombradas ou mal-assombradas, a casa de meu avô materno não estava localizada em lugar ermo, escondida entre as sombras de grandes árvores e apresentando aspectos poucos convidativos. Era uma casa geminada, compondo um conjunto de cinco casas, em rua asfaltada e bastante movimentada. A estória que vou contar me foi passada pelos próprios moradores dessa casa, meu avô e minha avó. Vamos aos fatos:

Todas as noites, minha avó acordava sobressaltada dizendo para o meu avô que havia gente dentro de casa. Ele deixava sua cama, sonolento e, pé ante pé, se dirigia à cozinha, local apontado pela avó Francisquinha como a origem dos sons produzidos pelo provável meliante. Vovô Eduardo, ao chegar à cozinha, acendeu a luz muito rapidamente, para ver se pegava o atrevido que estava conspurcando o seu doce e tranquilo lar. No ambiente não havia vivalma.

— Franquinha – como ele chamava a esposa – não havia ninguém lá. Acho que você estava sonhando, concluiu ele.

— Não é possível, vociferou a esposa, todas as noites tenho ouvido mexerem na cozinha, nas panelas, derrubam até a tampa da farinha, pela manhã ela está sempre jogada no chão. Também mexem no cesto do pão.

— Amanhã vou mandar reforçar a porta que abre para o quintal. Se for por lá que o brincalhão entra, não vai mais entrar, brincou o vovô.

No dia seguinte veio um carpinteiro que reforçou as trancas da porta do quintal. Minha avó, achando-se mais segura e confiante deu um beijo na face do meu avô e agradeceu a pronta gentileza.

Todos os dias minha avó tomava remédio para dormir, quando esquecia não dormia bem. Talvez o esquecimento fosse de propósito, para ver se conseguia pegar o visitante noturno que vinha azucrinando suas noites de sono. Passadas sete noites tomando remédio nada aconteceu. O marido, cansado do trabalho diário, dormia que nem pedra.

Naquela semana o remédio de minha vó acabou, o vô estava viajando e ela não conseguia dormir. Todas às noites o bendito visitante manifestava-se fazendo os mesmos ruídos, os mesmos sons, parecia tomar banho na cozinha. Pela manhã pingos d’água estavam espalhados pelo chão. Uma noite ela foi ver que “marmotice” era aquela. Ao acender a luz também não viu ninguém, só os pingos d’água no chão. Assustada ela saiu gritando, acordou os que dormiam, três crianças e três adolescentes. Ao verem a mãe apavorada, também começaram a gritar, alguns vizinhos acordaram e se dirigiram para a casa de dona Francisquinha.

Ao saberem do ocorrido e constatarem que a porta estava adequadamente trancada e os pingos d’agua estavam lá para qualquer um ver, o assunto mudou para assombração, casa mal-assombrada. Cada um tinha uma estória para contar a respeito, uns ouviram contar, outros presenciaram, estes sem muita convicção. O assunto não confortou minha avó, que não mais dormiu, ficaram na calçada esperando amanhecer. Naquela manhã o vovô Eduardo voltaria de sua viagem e resolveria o que seria feito.

— Eduardo, eu não durmo nesta casa, exclamou minha avó, depois de ter contado o sofrimento que passara na noite anterior.

— Espere que hoje eu resolvo esse assunto, retrucou meu avô, não acredito em assombração, vou correr com essa assombração.

À noite, todos foram dormir e o chefe da casa ficou na cozinha, à espreita. Apagou todas as luzes da casa, apanhou um facão na dispensa e se alojou na cozinha, bem próximo onde a esposa apontara a presença dos pingos d’água no chão. Lá para às onze horas da noite ele ouviu o som de alguém lavando as mãos. Mais que depressa acendeu e viu um rato tomando banho dentro de uma pequena bacia de ágata, colocada em um tripé de ferro, onde as pessoas da casa lavavam as mãos antes das refeições, porque não havia pia naquele local. O rato subia na mesa por uma cadeira, passava para o guarda louça e pulava para a bacia. Seu retorno não ficou bem esclarecido, meu avô acertou a bainha do facão no pobre ratinho que veio a óbito.

Segurando o seu troféu, o vovô Eduardo, que era muito brincalhão, chamou a todos, para mostrar a maldita assombração que vinha perturbando a casa. Todos soltaram gostosas gargalhadas. Só minha avó que ainda acreditava na assombração, saiu de fininho e foi para a cama tentar dormir pelo resto da madrugada que ainda lhe pertencia.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 12/03/2019
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