Conto das terças-feiras – O alemão e a blenda de pimentas
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 26 de fevereiro de 2019
Desligado da Ceplac - Ministério da Agricultura, em 1993, por aposentadoria, fui convidado a integrar o grupo de pesquisadores que atuavam no Projeto SHIFT – “Studies on Human Impact on Forests and Floodplains in Tropics”, convênio entre Universidade de Göttingen, Alemanha, Embrapa e a Faculdade de Ciências Agrária do Pará (FCAP), hoje Universidade Federal Rural da Amazônia. Projeto que tinha como diretor geral um pesquisador alemão, e mantinha estudantes brasileiros e alemães pesquisando o comportamento de florestas tropicais sob manejo.
Os diretores eram trocados em intervalos de tempo que não sei precisar, mas, pouco tempo depois de minha chegada aconteceu uma troca dessas. Para saudar o recém-chegado, fui instado por alguns colegas do grupo a oferecer um jantar para o dito cujo. Sinal de boas-vindas e demonstração de hospitalidade dos brasileiros. Fui convencido e dei um jeito de anunciar para a minha esposa, a surpresa. Eram já 17 horas daquela tarde que se pronunciava umbrosa. Ela ficou um pouco aborrecida, mas entendeu a situação:
— A empregada já foi embora e eu não vou cozinhar a esta hora, disse ela asperamente.
— Eu vou dar um jeito, falei calmamente para ela.
Em seguida fui para casa, mas antes perambulei por alguns restaurantes que já se preparavam para colocar o jantar à mostra dos fregueses. Minha visita era em restaurantes self-service, os que colocam a comida em Bandejas Rechaud, para o freguês se servir.
Ao entrar em um deles, percebi que um empregado estava colocando uma dessas bandejas com peixe, bonito pra caramba! Não pensei duas vezes, dirigi-me ao rapaz e perguntei se ele não teria como colocar todo aquele peixe em um recipiente para eu levar.
— O senhor quer que eu embale todo o peixe dessa bandeja?
— Isso mesmo, respondi com convicção.
O moço foi até a cozinha, falou com o patrão, e voltou.
— O patrão concordou, mas disse que não seria no peso.
— Não tem problema, é só ele falar o preço, concluí.
Ele voltou a cozinha, já com a bandeja e retornou com o peixe já embalado. Paguei o que foi estipulado e rumei para casa. Ao chegar pedi para a minha esposa fazer somente o arroz, para quinze pessoas, já que o peixe veio com as verduras cozidas e bastante molho.
Às vinte horas a casa já estava pronta para receber o novo diretor do projeto, sua esposa, que pouco falava português e os demais convidados, em número de onze pessoas, todos agregados ao projeto.
Conversamos bastante, o casal era simpático e havia, no meio dos convidados, um brasileiro que fazia as traduções. Tudo corria bem, ajudei a minha esposa a colocar à mesa a baixela com o peixe e o arroz, o vinho, a água e os refrigerantes, para os que não bebiam vinho. Convidei a todos para se chegarem à mesa. Os convidados ilustres se sentaram e outros ficaram acomodados no sofá e cadeiras dispostas na sala. Dei permissão para a esposa do diretor se servir, depois a ele e aos demais. Todos elogiavam o prato principal, isto é, o peixe.
— Bonito peixe, deve estar gostoso, falou a esposa do diretor.
Minha intervenção foi para dizer que a nossa empregada cozinhava muito bem (uma pequena mentira). Depois de servido, o alemão perguntou se em casa, não tinha pimenta. Apontei para um frasco que estava ao centro da mesa, uma blenda de pimentas, bastante ardida e produzida artesanalmente. Ele pegou e ensopou o seu prato de pimenta. O grito foi geral:
— Assim não, ela é muito forte, gritaram quase todos os presentes.
Em seu enrolado português, o alemão falou
— Eu ser costumado comer pimenta, não fica besorgt!
Dito isso ele começou a comer. Já na primeira garfada o homenzarrão foi ficando mais vermelho do que era, igual a um camarão aferventado e com casca. Não parava de tossir, soluçar, colocar a língua para fora e abanava com a mão. Todos nós ficamos assustados, mais do que depressa peguei uma taça com vinho, coloquei gelo, para ficar mais refrescante, e dei para ele.
— Engula isso, falei-lhe, passando a taça para o alemão engasgado, que engoliu, de uma só vez, todo o seu conteúdo, até as duas pedras de gelo que eu havia colocado no copo.
Passada a aflição trocamos o prato dele, que não quis mais saber de pimenta. Olhava para todos sorrindo e balançando a cabeça dizia:
— Muito bom, muito bom! Lecker, lacker!
Mas continuava muito vermelho.