As sete vidas do padeiro
Era domingo de manhã quando um padeiro, João, terminava a última jornada de pães. Para muitos, sua tarefa seria apenas aquela atividade cotidiana, mas para ele isso era apenas o começo do fim. Fim de quê? Sua vida.
João era filho de um falecido e famoso padeiro que passara sua vida a suspirar pela coisa mais difícil de ser alcançada: liberdade. Almejava aprender a ler e a escrever, mas, em razão da dificuldade financeira, havia apenas aprendido sobre as mais variadas massas. João lembrava disso muito bem ao recordar as noites reflexivas do pai, então, por não querer vivenciar aquelas mesmas dores, decidiu que cometeria suicídio no dia 27 de dezembro, pois vivenciaria o Natal pela última vez, sua época predileta.
Com isso, todos os dias meditava e tentava prever seu futuro, caso mudasse de ideia. Não havia nada à sua frente, apenas um grande vazio existencial que cheirava a pão assado. Não tinha esperanças e cada suspiro era uma facada em seu peito.
O dia chegou. João decidiu escrever uma carta com todos os seus pesares e sonhos desfeitos. Sabia que nem mesmo quem achasse seu corpo leria aquilo, mas por lembrar de todas as histórias românticas que já lera, resolveu deixar suas últimas palavras (ou tentar. Tentar pela última e maldita vez).
Aconteceu. Foi como uma grande explosão e, logo após, um momento de paz que pareceu eterno. Mergulhou em seu próprio ser. Jamais havia se sentido de tal maneira. Estava morto e vivo ao mesmo tempo. Seus olhos, agora agourentos, fitavam um gato cinza que passava por sua casa. O gato aproximou-se de seu rosto, olhou-o profundamente e com curiosidade. João passava agora a acreditar que aquele animal era seu passado, presente e futuro. Sua mudança de cor era gradual: à medida que seu coração parava ainda mais de palpitar, o gato passava a se tornar mais escuro, quase negro. Foi então que o gato transmitiu o futuro de seu Eu que existiria um ano depois: a panificadora havia mudado de nome, estava maior e as pessoas faziam fila para comprar. Mais uma visão, dessa vez não tão nítida, apresentava-se: sua panificadora havia alcançado sucesso mundial e lá ele viajava o mundo em busca de novas receitas e novas aventuras.
Em suas últimas visões, viu apenas o gato de cabeça inclinada olhando para ele. Ouvia uma voz em sua mente a dizer-lhe "Esta é a sétima e última vida de nossa trajetória. João, você não acreditou em si mesmo e deixou que os outros fizessem o mesmo. Deram-te sete chances e você desistiu fácil em todas elas, acreditando que nada poderia mudar. Bem, agora mudou definitivamente como você queria. Adeus a nós!".