Alcova do Poder
O Trabalho que faço tem muito mais sabor de suor da transpiração, do que os sabores diferenciados e apreciados da inspiração.
Assim, ou é fruto de pesquisa em fontes que já abordaram o tema, ou se origina em garimpagem nos rios e minas do viver.
Esta historieta de alcova do poder foi garimpada em encontro com João Albuquerque, enquanto esperávamos os reparos nos respectivos carros, em oficina reconhecida e especializada na parte elétrica.
Ao perceber a possibilidade de encontrar material para meu trabalho, expliquei os motivos e pedi ao João licença para gravar e autorização para transformar aquele papo em texto.
Assim que escutei o seu “de acordo”, peguei minha bateia: gravador digital, recente atualização tecnológica, em substituição aquele de fita k7, que acabei de aposentar.
A seguir, adaptação da narrativa de João sobre demissão, cuja justificativa vem procurando há tempos e somente agora a encontrou.
João Albuquerque, experiente em sua área, mas desempregado, havia chegado do Rio de Janeiro, onde fora aprovado em processo seletivo, para trabalhar em empresa similar a qual já trabalhara em São Paulo. Caminhava pelo Centro da cidade, quando encontrou amigo dos tempos de juventude na terra natal, Juca Frater, acompanhado de Carlo Rosa Fernandes Calabar, já conhecido, pois este e o amigo haviam trabalhado na mesma empresa. Os dois na área de Implantação e João na, de Organização.
Durante o encontro, João contou de sua mudança para o Rio, já desejada por questões de problemas respiratórios com o filho caçula e ouviu dos dois que: estavam iniciando o projeto e implantação de nova empresa; e o responsável pelo projeto era executivo muito conhecido da empresa, que os dois continuavam trabalhando, Dali Lago. Nome que solfejava a cacofonia “Dalila”.
Acrescentaram, que seriam cedidos pela empresa, até que a nova fosse criada e que meu trabalho seria indispensável. Carlos Rosa Fernandes Calabar, íntimo de Dali Lago, acrescentou, “não podes nos abandonar, Dali entenderá como espécie de traição”.
João, demonstrando insatisfação consigo mesmo, confessou-me que naquela época sofria de não saber dizer não. Inclusive, salientou o quanto admirava, de seu amigo Juca Frater, a habilidade diplomática para dizer não com um talvez. Acrescentou que admirava demais a capacidade de persuasão e de liderar desse amigo. Lembrou que brincava com o mesmo dizendo: “Juca, não quero encontrar contigo num dia, no qual for imperativo ir a um enterro...”
João despediu-se, dizendo que daria a resposta o mais breve possível, pois no caso de afirmativa, precisaria voltar ao Rio para desculpar-se e tentar desfazer o combinado sem deixar ressentimentos.
Voltou ao Rio desculpou-se e iniciou seus trabalhos para a implantação de nova empresa, sobre a subordinação de Carlo Rosa Fernandes Calabar, “Calabar”. Entretanto, sentia-se totalmente peixe fora d’água, pois suas potencialidades, sua experiência, a qual afirmaram indispensável, se por sua iniciativa era desprezada, e por iniciativa de Calabar, nunca acontecera.
Nos almoços entre os períodos de trabalho e em alguns encontros entre as famílias amigas, João confidenciava ao amigo Juca Frater seu descontentamento.
A habilidade política e diplomática de Juca Frater fez com que a tanto Dali Lago e Carlo Rosa Fernandes Calabar transferissem João, da área de projetos chefiada por Calabar, para a área operacional gerida por seu amigo, Juca Frater.
Durante um ano teve suas potencialidades utilizadas e muito bem geridas por Juca Frater. João teve tão bom desempenho, que foi reconhecido pelos companheiros. Depois da organização estrutural da área operacional, que contemplava uma Assessoria de Projetos Especiais, Juca Frater, entendendo o ambiente político da instituição, não titubeou em designar João como responsável pela área.
Essa assessoria de projetos especiais da área operacional era constituída de excelentes, engenheiros especializados na área operacional da empresa em implantação. Desse grupo, um tinha reconhecimento nacional e internacional e, somente não estava na área específica de projetos gerida por Calabar, por aspectos políticos. A empresa a ser criada pertenceria à estrutura do governo municipal.
Essa assessoria do qual João era o responsável, teve tanto êxito em seu trabalho que, dois de seus projetos foram apresentados ao Prefeito. Juca Frater, como era de praxe, foi ao responsável da área, João Albuquerque, comunicando-lhe e pedindo para que se preparasse para apresentar os projetos.
João não entendia da técnica envolvida no projeto, era um bom gestor de recursos e de resultados, mas sem a habilidade de seu gerente e amigo. Assim, propôs que seria o técnico reconhecido internacionalmente, o mais experiente de sua equipe, que faria a apresentação. Entretanto, a solução dada foi que o projeto seria apresentado por um jovem e brilhante profissional da área e com relações pessoais com o Prefeito.
Assim, Juca Frater o executivo da Área Operacional e o jovem engenheiro apresentaram os dois projetos. O sucesso da apresentação foi tão grande que o Prefeito exigiu que um deles fosse implantado num domingo, 11 dias após a apresentação.
A implantação desse projeto especial, voltada para área do bairro do Morumbi, que naquele domingo receberia grande afluxo de pessoas, carros e ônibus, também foi muito bem sucedida.
João contou-me, com a voz claudicante pela emoção, sobre sua surpresa de ser sumariamente demitido por Dali Lago depois de todo aquele trabalho bem sucedido e, ainda, somente de nem uma semana depois do sucesso da implantação do projeto.
Na manhã em que tomaria conhecimento de sua demissão sumária, ficou intrigado pelo ausência de o cotidiano transporte, carro da polícia militar com cabo como motorista e com sirene. Sirene que, como ele combinara com o cabo, fosse ligeiramente ligada para avisar que já chegara, mas, principalmente, pelo motivo não declarado: o toque da sirene maravilhava a infância de seu primogênito.
A alternativa foi um táxi. Ao chegar soube de seu gerente a decisão sumária e irrevogável do futuro presidente da empresa, prestes a ser criada, Dali Lago e lamentou não poder fazer nada. Manda quem pode, obedece quem tem juízo.
Inconformado, dirigiu-se a sala do futuro presidente e não solicitou, avisou a secretária que queria uns minutos com o Presidente e, intempestivo, entrou sem ser anunciado.
João, cheio de indignação falou em alto e bom tom: Dali, como podes demitir-me se, há pouco mais de um ano, convenceram-me a não transferir-me para o Rio, por ser indispensável e considerares traição não entrar na empreitada? Como podes demitir-me depois de nosso trabalho ter sido tão bem sucedido?
Afirmou que recebera como resposta, lição de Dali, até hoje mal recebida: “João, tua demissão é irreversível, poupa-me para não chamar a segurança para te expulsar por tua invasão e entenda, que quem exerce o poder, para sua manutenção e expansão deve fazê-lo sem memória e sem caráter”.
Retirou-se da sala, dirigiu ao seu local de trabalho, pegou as coisas que lhe pertencia, despediu-se de sua equipe e de seu gerente, voltou para casa, chorou no colo da companheira, amiga e amada. Recompôs-se e combinou com a mulher de voltar ao Rio, para tentar recuperar a oportunidade oferecida há mais de um ano.
Em menos de doze dias já estava trabalhando no Rio, a mulher guerreira cuidou de toda a mudança e, somente no final de semana combinado, João voltou para São Paulo. Retornou no dia seguinte revezando com a mulher amada a direção de o fusquinha que jamais os abandonara. No banco traseiro os dois filhos, no banco dianteiro a esperança de vida melhor.
João confessou que nunca deixou de refletir, sobre quais os reais motivos de sua demissão. Seu gerente e amigo se soube, ou se tinha sua versão, jamais revelara.
Durante todo esse tempo buscou justificativa. Até que um dia chegou a seus ouvidos que Dali Lago e Carlo Rosa Fernandes Calabar viviam, naquela ocasião, relação homo afetiva.
Lembrou-se de pensamento primeiro, ao saber o nome dos dois na primeira empresa em que trabalharam juntos: “essa cacofonia Dalila no nome de Dali Lago e a delicadeza do nome Rosa no nome de Carlo Rosa Fernandes Calabar puderam trazer alguma confusões de gênero. Além disso, Calabar é nome que lembra traição”.
Juntou a informação, com a lembrança e com o fato de que a assessoria pela qual foi responsável naquela ocasião, apesar de restrita para operações especiais, era de projeto e teve muito mais expressão e sucesso, naquele momento, do que a área de projetos dirigida por Calabar.
Chegou á conclusão de que sua sumária demissão teria sido motivada por espécie de sabotagem invejosa, percebida como indevida concorrência. Que Dali, teria tomado a decisão sobre a influência de falsas informações, bochichos acompanhados de sussurros e gemidos de alcova do casal, transformada em alcova de poder.
O encontro com o hoje aposentado pelo INSS João Albuquerque rendeu mais de hora de gravação. Teria muitas outras passagens que mereciam ser registradas, mas o texto está mais do que longo.
Entretanto, não posso deixar de finalizar com declaração de João de gratidão pelo ocorrido: “apesar de ter sido traumática aquela situação a mudança decorrente, trouxe significativa melhora, quase cura do filho caçula, novas realizações para mim e a mulher amada, um resto de infância, adolescência e juventude ímpar para os filhos e qualidade de vida carioca cheia do bom humor, de informalidade e de beleza”.
Minha sábia avó, muito citada em outros textos, por sua sabedoria intuitiva, dizia: ”se fecha uma janela, portas se abrirão”
Observação: Apesar de o conto ter sido baseado na realidade, além da adaptação, quem conta um conto , aumenta um ponto...
Os nomes dos personagens foram criados, para caracterizar: a relação de alcova de poder; o papel considerado como de traidor; nome do narrador e protagonista considerado como traído (Matias Albuquerque, em nossa história traído por Calabar) e a relação fraterna, já existente, entre João Albuquerque e Juca Frater.
Qualquer semelhança, ou homônimos existentes não passam de pura e mera coincidência.