O PRIMEIRO CARRO - conto de Ialmar Pio Schneider - Jamais esqueceria aqueles momentos, nem que passassem mil anos; parece um sonho de consumo realizado. Ia pelos vinte anos e o que mais queria era “andar motorizado”, como se dizia naquele tempo.
O PRIMEIRO CARRO
IALMAR PIO SCHNEIDER
Jamais esqueceria aqueles momentos, nem que passassem mil anos; parece um sonho de consumo realizado. Ia pelos vinte anos e o que mais queria era “andar motorizado”, como se dizia naquele tempo. Entretanto, o que ganhava, apenas dava para as despesas, não obstante abusasse um pouco com os extraordinários. Era solteiro e frequentava os bares da cidade, onde bebia e fumava com os amigos. Também tinha as boates e os bailes de fim de semana. Não namorava firme, mas como se diz hoje em dia: “ficava”; e sentia-se satisfeito com isto. Só mais tarde veio a saber que essa era a quadra da vida que melhor aproveitara.
Muitas vezes, à tardinha, após o expediente, permanecia sentado num banco da praça, olhando os carros que corriam pela faixa do asfalto, antegozando o dia em que pudesse dirigir um desses velozes automóveis. De fato, o jovem Aníbal, funcionário público, subalterno, cultivava esse desejo com toda a esperança, porque para o pobre é a última que morre e querer é poder. O negócio era economizar algum dinheiro para a entrada e o restante proporia pagar em prestações...
Depois de alguns meses, finalmente, conseguiu seu intento, tendo adquirido um automóvel usado, o que lhe deu muita satisfação. Logo procurou aprender a dirigir com um provecto senhor que era bem conhecido no lugar, como um bom profissional do volante. Mas o carro, sendo velho, começou a dar mostras de justificável desgaste, obrigando-o a levá-lo amiudadamente na oficina mecânica para conserto. Diziam-lhe, então, que mantê-lo era o mesmo que a uma família. Não se importava com isso e buscava ser feliz pela importante conquista sempre almejada que alcançara. Em pouco tempo, não só já estava apto a conduzir o veículo, como também a conhecer as inconveniências de possuir uma condução que passara não se sabe por quantas mãos. Em certa tarde um colega lhe dissera que vira escrito no pára-choque de um caminhão, a seguinte frase: “Feliz foi Adão que não teve sogra nem caminhão”. Ao que respondeu-lhe, Aníbal, imediatamente: - “Mas em compensação andava a pé”. E continuava no seu afã, sem se aprofundar muito no assunto. Quem em uma situação qual a dele, não alimentou, um dia, um capricho?! Deixasse falar, mesmo porque “falem mal, mas falem de mim”.
Alguns conhecidos, até com uma ponta de inveja, lhe afirmavam que a compra de um carro velho causa duas alegrias: uma, quando se o adquire e outra maior ainda, quando se o vende. Verdade ou não, o fato é que conseguira realizar seu sonho de consumo, tão insignificante para os poderosos monetariamente, quão satisfatório para seu ego de pessoa de parcos recursos financeiros. Era o início de quem luta por alguma coisa na vida e consegue concretizar seu objetivo.
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Poeta e contista
Publicado em 25 de outubro de 1999 - no Diário de Canoas.