Conto das terças-feiras - Porque não gosto de pimentão
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 12 de fevereiro de 2019
O pimentão, muito utilizado na culinária brasileira, principalmente na moqueca baiana, faz parte dos cultivares da espécie Capsicum annuum, que, dependendo do cultivar, seus frutos podem se apresentar em diferentes cores, o verde, o amarelo e o vermelho. O mais usado no Brasil é o da cor verde.
Quando crianças/adolescentes, nossa mãe era quem cozinhava em nossa casa. A empregada ajudava nos afazeres de casa e na cozinha, mas não sabia cozinhar. Nossa mãe, no que me recordo, não fazia de bom grado essa tarefa, porém ela se esforçava e sempre com um caderninho à mão, recebido de sua mãe, nossa avó, procurava fazer o melhor, principalmente para agradar ao nosso pai. Ela gostava de fazer bolos, pudins e doces. Por sinal todos gostosos.
Certo dia ela me acordou cedo, para ir à feira comprar algumas coisas que estavam faltando em casa. Curioso eu perguntei por que tão cedo. A resposta veio em seguida:
— Seu pai vai trazer um casal de amigos para almoçar com a gente. Eu preciso preparar algo especial para eles.
— Por quê? Insisti, ele vai trazer pessoas que a gente não conhece? Ela, com toda a paciência que Deus lhe deu respondeu:
— Nós os conhecemos, já fomos almoçar na casa desse casal.
Nada mais perguntei. Fomos para a feira e ela comprou coisas que eu já conhecia batata inglesa, feijão, tomate, beterraba, cheiro-verde, cebola, farinha, outros do que ela me falou serem pimentões, três verdes, três amarelos e dois vermelhos. Ao passarmos pelo açougue, ela comprou carne moída e na padaria, vários pães. Minha curiosidade aumentou sobre os pimentões e os pães:
— Vamos comer só pão e carne, mãe? É isso que vocês comeram na casa deles? Perguntei na ingenuidade de criança.
— Não menino, é para preparar um prato especial e delicioso. Com os pimentões ele vai ficar bonito também, concluiu ela.
Voltamos para casa. Eu fiquei encucado com aquelas coisas coloridas, se elas seriam gostosas, deliciosas, como falou nossa mãe. O almoço só seria no outro dia, isto é, no sábado, dia em que nosso pai não trabalhava. Certamente o casal não trabalhasse nesse dia também, pensava eu. No sábado todos acordamos cedo, a expectativa da chegada do casal era grande. Não era costume papai trazer pessoas não conhecidas da gente para almoçar em nossa casa, apenas os parentes. As recomendações para que nos comportássemos bem, eram feitas a toda a hora. A indagação que pairava em nossa cabeça dizia respeito ao casal, quem seriam eles? Qual a ligação que eles tinham com os nossos pais? Nenhum de nós tinha a resposta. Eu arrisquei perguntar:
— Pai, quem vem almoçar com a gente?
— O Coronel Bastos e sua esposa, e nada mais foi dito.
A patente do visitante nos deixou mais apreensivos. Um coronel em nossa casa, nós, as crianças, ficamos ainda mais preocupados. Será que ele vai prender o nosso pai? - era a pergunta que estava na boca de todos. Por isso o almoço especial, para o nosso pai convencê-lo a não fazer isso. Ficamos todos quietos, sentados na sala à espera das visitas.
A chegada do casal foi festiva, foi abraço para lá, abraço para cá. Nossa mãe vestida elegantemente. A mesa posta com esmero tinha até vinho. O casal nos viu sentadinhos, a senhora nos achou bonitinhos e comportados. Beijou a cabeça de cada um e se dirigiu para a mesa, atendendo ao convite de nossa mãe.
Começado o almoço, as crianças estavam sendo servidas em outra mesa. Como eu não vi os pimentões nos nossos pratos, dirigi-me à mesa principal. Pedi para nossa mãe colocar um pimentão, agora mais bonito porque recheado com carne moída. Eu queria o vermelho.
— Você não vai gostar, disse ela.
Olhei para os adultos, que se deliciavam a comer pimentão recheado. O sorriso de mamãe demonstrava que os pimentões estavam agradando aos convidados. Olhei para eles, também conversavam, sorriam e comiam alegremente. Eu pensei isso só pode ser gostoso. Insisti no meu pedido:
— Mãe, coloca um pimentão, o vermelho, em meu prato.
Minha mãe não me desencorajou, para não ser mal-educada. Com o pimentão já no prato fui para a outra mesa. Dei uma mordida e minha boca começou a arder. Abri-o ao meio e passei a comer só o recheio, isto é, a carne moída. Minha mãe olhou para mim, viu aquilo e se dirigiu para a mesa das crianças.
— Você vai comer o pimentão também, não só o recheio. Eu disse que você não iria gostar, ela falou isso ao meu ouvido de forma bem pausada.
Todos terminaram de almoçar, fiquei à tarde toda, enchi um copo com água e comi todo o pimentão acompanhado de goles de água. Copo na mão e pequenos pedaços do pimentão vermelho na boca, eu procurava engoli-los mastigando bem devagar, mas engulhava sempre. Passei maus bocados. Agora, quando os detecto em algum prato, sinto náuseas.