MINHA PRIMEIRA GRANDE AVENTURA

Com certeza que a “primeira ninguém esquece”; a minha primeira aventura já aconteceu grandiosa, imponente, vasta. Eu que sempre fui acostumado a viajar pela Bahia na companhia de meu pai na boleia de uma camionete, teria com certeza que fazer eu mesmo, sozinho, a primeira grande aventura e não só para tentar apresenta-la aos meus leitores, como também, aproveitando o ensejo e apresenta-los o Banco do Turismo e algumas artimanhas para alguém viajar bem e barato.

Poder conhecer lugares exóticos ou lugares bem diferentes daqueles que vivemos ou já conhecemos é algo muito prazeroso e mesmo que não tenha havido oportunidade de registrar com fotografias ou filmagens, os momentos destas viagens, as cenas, lugares, pessoas e paisagens jamais são apagadas.

Um belo dia, eu e mais dois amigos resolvemos planejar (se é que podemos chamar aquilo de planejamento) uma viagem longa, de carro, com pouco dinheiro no bolso e uma enorme vontade de conhecer novas culturas e foi aí que resolvemos sair da Bahia para irmos até o Rio Grande do Sul, com a possibilidade de chegarmos até a Argentina, somente para dizermos a todos que havíamos saído do Brasil; rompido a fronteira nacional sul.

Na bagagem de cada um, pouca roupa em mochilas, dinheiro, cartão de crédito Credicard (antiqüíssimo), talão de cheque do Banco América do Sul (extinto), um guia 4 rodas de 5 anos atrás, um carro de 3 anos de uso recém adaptado e a álcool e uma vontade enorme de pegar a estrada.

Saímos numa manhã nublada de Feira de Santana, a bordo de um VW Gol BX branco, que era furgão e fora adaptado para passageiros, eu e meus dois amigos. O carro, embora usado, possuía condições de viagem; tivera sido revisado completamente.

No primeiro dia, rumamos pelo Recôncavo baiano e passamos via costa do Dendê até Ilhéus e chegamos a noite, pela BR 101, onde escolhemos Teixeira de Freitas na Bahia como nossa primeira parada para dormir. Havíamos rodado até aquela cidade 752 km.

Na primeira manhã fora de casa, muita disposição e mais uma vez, carro na estrada e nosso próximo alvo, Vitória do Espírito Santo e mais 387 km de asfalto. Em Vitória, tudo era novo para os três e o que havíamos planejado ficar apenas uma noite, ficamos duas na Praia de Camburi, com direito a muitos passeios por pontos turísticos e um tour por Vila Velha.

No terceiro dia, saímos de Vitória com destino ao Rio de Janeiro e no caminho, a primeira visão de que nossa viagem deveria ser mais bem planejada e deveríamos ter mais cautela com horários e estradas por onde passaríamos. Encontramos na estrada um caminhão Scania (jacaré) tombada de a carga espalhada pela rodovia. Tive a oportunidade de falar com o motorista que chorava a perda de seu caminhão.

Logo após o encontro da carreta tombada, chegamos a Rio das Ostras no Rio de Janeiro e como era noite e já havíamos percorrido 382 km com muitos buracos e paradas, resolvemos dormir ali mesmo para seguirmos nosso roteiro no dia seguinte. Em Rio das Ostras, ficamos numa praça pública assistindo a juventude local dançar funk, início da febre e fomos dormir num hotel.

No quarto dia, mais uma vez, carro na estrada e nossa próxima parada, Rio de Janeiro. Pelos nossos cálculos, deveríamos ficar apenas uma noite na Cidade Maravilhosa, mas como era a primeira vez, os turistas iniciantes se encantaram com o Corcovado, Cristo Redentor, Maracanã, Copacabana, Ipanema e tantos outros lugares e prazeres que somente o Rio pode proporcionar e o resultado foi, que ficamos três noites ali, hospedadas confortavelmente no Atlantis Copacabana, na época um cinco estrelas há uma quadra do mar.

De Rio das Ostras ao Rio de Janeiro foram mais 174 km e após as três noites de muita folia, partimos pela Via Dutra para São Paulo e o que seria mais 446 km por posta dupla, nosso primeiro martírio; o velho e bom VW Gol BX após uma revisão de rotina em São Gonçalo, na Baixada Fluminense, parou com o motor enfumaçado em Itaquaquecetuba, após o Santuário de Aparecida. O velho motor não havia resistido a uma tampa de radiador fora do lugar e o resultado foi que tivemos muita dor de cabeça para chegarmos até a Praça da República em São Paulo.

Dormimos dentro do carro em pleno centro paulistano e pela manhã, detonados pela noite fria dentro do veículo, conseguimos auxílio numa concessionária Volkswagen próxima que providenciou os reparos em mais três dias. Já estávamos há 10 dias na estrada e somente tínhamos percorrido 2.141 km, uma média horrível para a primeira viagem.

Depois de más lembranças de São Paulo, encaramos a Rodovia da Morte, a Rodovia Regis Bittencourt em direção a Curitiba que estava a 405 km de nós e no meio do caminho a descoberta pessoal do apelido da estrada. Estouramos seis pneus em menos de 100 km e quase capotamos numa curva com um buraco enorme. O Gol já apresentava sinais de vulnerabilidade e tivemos que ajustar alguns parafusos que insistiam em se desprender, mas finalmente chegamos a noite em Curitiba, encarando um frio de zero grau. A velha BR 101 havia nos deixado com medo e muito cansado e o frio de Curitiba, novíssimo para os três aventureiros iniciantes, nos obrigou a não sair do hotel.

11º dia, partimos de Curitiba para o Rio Grande do Sul, e no meio do caminho encontramos a bela e exuberante Florianópolis (mais 299 km). Não resistimos a tentação e entramos na ilha de Santa Catarina, mas não permanecemos muito tempo e tão logo pudemos, colocamos mais uma vez o carro na estrada. Pista boa à frente, nossa viagem enfim tomava um rumo mais profissional e saindo da BR 101, pegamos a BR 282 em direção a Passo Fundo, nosso primeiro objetivo. De Florianópolis à Passo Fundo são mais 523 km e no início da noite já havíamos passado por cidades maravilhosas gaúchas como Vacaria e Lagoa Vermelha; cidades cuja temperatura insistia em se manter perto de zero.

Após 12 dias de estrada e 3368 km, já era hora de parar para programar ajustes no carro e repor peças, checar pneus e câmaras de ar e pararmos a convite do vice-Prefeito de Passo Fundo na época, o baiano Carlos Alberto de Souza e Freitas, para conhecermos os segredos gaúchos, as festas, o chimarrão e curtirmos sem pressa o frio.

Em Passo Fundo nós ficamos seis noites e na nossa festa de despedida, num CTG (Centro de Tradição Gaúcha), eu, inquieto e querendo fazer as honrarias de visitante, caí na gandaia e comi tudo que podia e não podia e o resultado foi que fiquei internado num hospital com infecção intestinal, mas nada grave e na manhã seguinte já estávamos com o carro na estrada em direção a Uruguaiana, fronteira do Brasil com a Argentina.

Em Uruguaiana, 570 km percorridos desde Passo Fundo, passando por São Borja, chegamos por volta das 14:00h e fomos almoçar em Paso de Los Libres na Argentina, mas na travessia da ponte que liga os dois países, o agente federal argentino não queria nos conceder mais do que três dias no país. Para nossa surpresa, o comércio local estava fechado para ALMOÇO, inclusive muitos restaurantes. Foi lá que ficamos sabendo que os argentinos saem para o almoço as 11:30h e só voltam a trabalhar depois das 15:00h, ou seja, são 3:30h de intervalo para uma refeição; depois dizem que nós baianos é que somos preguiçosos.

Após o almoço, seguimos em rodovia argentina até Santo Tomé, 185 km à frente, margeando o Rio Uruguai. Em Santo Tomé meu estômago pedia misericórdia e tivemos que atravessar o Rio Uruguai para que eu fosse atendido por médicos brasileiros. Atravessamos o rio a bordo de uma balsa (hoje já há uma ponte) para São Borja. Dormimos outra noite em São Borja e quando voltamos na manhã seguinte para a balsa que nos levaria de volta a Argentina o agende federal de controle de imigração renovou nosso visto para, pasmem, 120 dias.

Santo Tomé é uma daquelas cidades esquecidas por Deus e pelos governantes argentinos e quando chegamos, fomos recebidos por dezenas de crianças muito pobres que cercaram o Gol para pedirem comida; confesso que eu pensei que fosse um arrastão. As casas de Santo Tomé são velhas e sem reboco e o povo, de origem indígena são atípicos para os padrões argentinos; as estradas mais lembravam campos de guerra e nosso veículo sofreu o maior desgaste de toda viagem, se fazendo necessário substituir várias peças e pneus.

Saímos de Santo Tomé e teríamos que passar por Posadas e Encarnacion, a Nordeste da Argentina, fronteira com o Paraguai. As duas cidades dividem a fronteira. Durante este trajeto, eu estava ao volante e quase causei uma catástrofe. Distraído, não observei uma placa que apontava uma mão inglesa e rodei por mais de 30 km na contra-mão até ser parado por policiais rodoviários aos berros e somente então retornei a mão correta da estrada.

De Santo Tomé até Encarnación são mais 159km e acreditem, fomos parados na aduana paraguaia e obrigados a solicitar visto de entrada. Ninguém estranho à Argentina e Paraguai conseguiam passar pela fronteira imponente sem requerer visto e ser revistado.

Saindo do sufoco do visto paraguaio, partimos em direção a Ciudad Del Est, conhecida pelos contrabandos e mercadorias falsificadas. Foram mais 267 km de estradas muito bem conservadas e o povo que encontramos era muito gentil e alegre. Sempre que parávamos, e paramos muito para conhecer cada pedaço de chão das Missões, sempre tínhamos ao nosso redor alguém com um sorriso estampado e querendo fazer uma gentileza.

Na capital da “muamba” ficamos dois dias, mas escolhemos ficar em solo brasileiro, na cidade de Foz do Iguaçu e o engraçado é que compramos tantas tranqueiras que não cabia mais nada no carro e quem se arriscava cochilar no banco de trás, tinha certa dificuldade.

Passada a febre das compras, saímos de Foz do Iguaçu já pensando na volta pra casa, que prometia ser muito longa e chegamos em Maringá, passando por Cascavel. Naquele momento há computávamos 4549 km de muita aventura, mais de 500 fotos (não existia fotografia digital), umas 5 horas de filmagem, 8 pneus estourados, 1 motor retificado, 1 reparo em caixa de marchas, 1 pára-choque dianteiro amassado, duas internações hospitalares e muitas muamba na bagagem.

Dormimos em Maringá e nos dirigimos para a próxima noite em São José do Rio Preto em São Paulo, percorrendo mais 712 km em boas e conservadas rodovias. Neste trajeto o nosso maior problema era a Polícia Rodoviária Federal que nos parava a cada posto para checagem de bagagem. Ficamos sabendo depois que aquele trajeto era muito comum entre os traficantes de droga.

De São José do Rio Preto partimos em direção de casa, mas ainda dormiríamos em Goiânia, 527 km adiante, passando por Brasília e mais uma vez pernoitando em Barreiras e mais 858 km.

De Barreiras na Bahia até Feira de Santana percorremos mais 768 km, mas antes de chegar em casa, passamos por mais outros lugares lindos e inesquecíveis como a Chapada Diamantina, no coração da Bahia e quando avistamos a nossa cidade, o ultimo problema com nosso carro; o pára-choque traseiro se desprendeu e ficou na estrada mesmo, pois a nossa vontade de chegar era maior do que a paciência de parar para recolocar uma peça inútil.

Para finalizar esta primeira etapa, fomos recebidos ainda na rodovia por familiares e amigos e como ninguém é de ferro, fomos jantar na companhia de muita gente e contar as histórias desta viagem louca que atravessou 9 estados e 2 países; uma viagem de 6887 km e quase 30 dias de estradas intermináveis e que me rendeu várias citações em revistas de turismo e aventuras além de é claro, jornais e revistas locais; tudo isso feito com um velho guia de turismo defasado, um carro reformado, pouco dinheiro no bolso e muita vontade de conhecer lugares novos e ter uma história belíssima para contar para nossos filhos.

Para Reinaldo e Uberdan, meus parceiros de viagem e para meus pais que me incentivaram aos 18 anos a fazer esta grande aventura, a primeira da minha vida, eu dedico esta crônica, se é que posso chamar de crônica; na verdade, um conto...

Leia na próxima página a importância de um guia de turismo atualizado e fácil e como se programar para qualquer viagem para não passar nenhum “aperto” com os acontecimentos naturais que uma aventura pode proporcionar ao viajante descuidado.

Carlos Henrique Mascarenhas Pires

www.irregular.com.br