Conto das terças-feiras – As penas de galinha

Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, CE, 5 de fevereiro de 2019

Porto Seguro, município situado no sul do estado da Bahia, tem a primazia de ser o local de chegada dos portugueses ao Brasil, em 1500, onde encontraram habitantes selvagens, aos quais chamaram de índios. O vilarejo que deu origem ao município de Porto Seguro foi fundado em 1535. É um local agradável, de belas praias e para aonde acorrem muitos turistas, brasileiros e estrangeiros. Como o baiano é festeiro, encontrou em Porto Seguro o local para extravasar suas alegrias. Esse ambiente festivo já era assim na última década de 70, em menor proporção, é claro!

Mas não é disso que quero falar. Estou aqui para contar um episódio que aconteceu comigo e os meus filhos, ainda crianças. Eu participava de um curso de metodologia de pesquisa e estatística, por conta da atividade que exercia na Instituição onde trabalhava. Depois de seis dias de confinamento em um hotel, na cidade de Porto Seguro, com aulas e exercícios todos os dias e durante o dia todo, eis que o sábado chega, e recebi a visita de minha esposa e os três filhos. É difícil descrever a alegria que estava sentindo, casados fazia sete anos e era a primeira vez que eu me afastara da família. Para mim foi uma festa esse reencontro.

Aproveitamos para ir à praia, passear pelos lugares pitorescos e históricos da cidade, onde encontramos o Marco do Descobrimento (ou Padrão do Descobrimento como gostam de denominar os portugueses), trazido de Portugal na época do descobrimento, cuja origem ainda se tem dúvida. Para alguns historiadores é a certidão de nascimento do Brasil. Vimos ainda um casario colonial preservado, o museu e igrejas. Alguns dos prédios existentes datam de 1534.

À medida que íamos caminhando pela cidade, procurava passar para os meus pequenos, um pouco da história do Brasil. Como Pedro Álvares Cabral chegou à nossa terra, o que aqui encontrou, e outras passagens. As duas meninas, admiradas, ouviam atentamente, faziam perguntas, às vezes me deixando embaraçado, eu não sabia responder todas. O menor, sempre atrás, a tudo ouvia, mas não expressava nenhuma reação.

Ao falar sobre os índios que ali viviam quando os portugueses chegaram, o interesse aumentou. Queriam saber o que eles comiam, onde moravam, o que vestiam, que língua falavam etc. O pequeno, mais distanciado, mas com os ouvidos bastante abertos procurava se inteirar de tudo. Ficava para trás porque suas pernas eram curtas, tinha apenas quatro anos, e não acompanhava os nossos passos. Era preciso, quase sempre, pararmos, para que ele se juntasse a nós. As meninas, já maiores e na escola, absorviam tudo o que eu explicava. Elas saltitavam de tanta alegria quando avistavam qualquer coisa que lhes chamasse à atenção.

De repente, o pequeno, sempre atrás, começou a gritar:

— Pai, pai, manas, olhe o que encontrei! Parece que os índios passaram por aqui agora.

Corremos todos para ver do que se tratava. Chegando lá, percebemos algumas penas de galinha espalhadas entre arbustos, dispostas ao lado da trilha aberta, para as quais o pequeno apontava.

— Filho, essas não são as penas usadas pelos índios, disse-lhe.

— São pai, eu vi na revistinha. Eles colocavam na cabeça e faziam saias, retrucou o pequeno.

— Não filho, estas são penas de galinha. Parecem que elas foram mortas ontem e suas penas jogadas aqui.

Ele balançava a cabeça, não acreditando no que eu estava a lhe dizer. Suas irmãs vieram em meu socorro, confirmando o que eu falava. Elas já estudavam e no dia do descobrimento do Brasil, a professora havia mostrado fotos de índios com suas indumentárias, alguns com cocar na cabeça. Mesmo assim elas não conseguiram demovê-lo de que aquilo não era de índio.

— Filho, embora aqui em Porto Seguro ainda exista uma aldeia indígena, onde vivem 32 famílias, conhecida como Reserva Pataxó, eles não andam por aí vestidos com penas. Eles usam roupas como você, como eu.

Cabisbaixo ele se afastou. Acho que o envergonhei perante suas irmãs de mais idade. Fui ter com ele e o encontrei chorando. Disse-lhe que agora ele sabia um pouco mais sobre índios. Ele levantou a sua cabecinha, sorriu e segurou minha mão. Então fomos ao encontro das duas irmãs e retornamos ao hotel. Foi uma aventura para todos nós, aquele passeio.

Gilberto Carvalho Pereira
Enviado por Gilberto Carvalho Pereira em 05/02/2019
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