Conto das terças-feiras – Chacina no forró
Gilberto Carvalho Pereira, Fortaleza, 29 de janeiro de 2019
Era já madrugada, a banda não parava de tocar, os dançarinos se esbaldavam no salão. Cada par procurava mostrar os novos passos, aprendidos na tela da TV, nos programas dedicados à cultura local. O ambiente era de uma cidade calma, corria tudo tranquilamente. Todos amistosos e muito animados.
O casal Marilene e Agnaldo dava show no centro do salão. Eram jovens, bonitos e dançavam em entrosamento perfeito, balançando seus corpos em movimentos frenéticos, na cadência do padrão rítmico do forró. Faziam acrobacia, com audácia e perícia. A jovem era lançada ao ar, pelo rapaz, singular habilidade, ao descer, era agasalhada pelos braços de seu par, numa precisão incrível. Ambos sempre sorrindo, os que não dançavam observavam extasiados. Alguns torciam para que ela caísse, que o passo não desse certo, os invejosos. Outros aplaudiam.
Às vezes, seus admiradores formavam uma roda no centro do salão, para o casal se exibir em mais espaço e segurança. Uma magnífica aula de dança, diziam alguns, um espetáculo, diziam outros. Pelo sucesso, eles não pagavam entrada, eram chamarizes da bilheteria. Dançarinos novatos iam ao forró aprender olhando o casal dançar, copiavam seus passos.
Assim transcorria mais uma noite de forró naquele concorrido espaço de dança. Para os vizinhos não havia incômodo, eles aproveitavam para montar barraquinhas para vender bebidas, sanduíches, espetinhos e outras iguarias apetitosas. Todos saíam ganhando; os vizinhos, os dançarinos, os visitantes, os que iam apenas beber e ficar olhando o movimento, esperando encontrar a mulher ou o homem ideal. Quem mais ganhava era a bilheteria, sábados e domingos sempre casa lotada.
Toda essa alegria foi quebrada por um tiro e um corre-corre. Vários foram para a porta principal e se depararam com cinco homens mascarados empunhando armas. O tiroteio se intensificou. Corpos caíam ao chão, uns atingidos pelas balas, outros fingindo-se de mortos, esperando não serem notados pelos bandidos. Os que estavam mais para o fundo do salão não sabiam o que estava acontecendo, apenas corriam de um lado para outro. Muitos tentavam saltar o muro da casa de dança, não conseguiam, era alto. Os criminosos, em passos lentos e atirando, avançavam para o interior do estabelecimento, pareciam procurar por alguém.
O tiroteio durou mais de 10 minutos. Saldo de mortos, dez vítimas. Quem contou os mortos deu um grito ao perceber os corpos de Marilene e Agnaldo, o casal de dançarinos. Pouco se sabia sobre eles na cidade, só que quase não saiam de casa, falavam pouco e não faziam amizade com ninguém. Os dois haviam se mudado, há seis meses, para a pequena cidade onde ocorrera a carnificina.
Os moradores da cidade, passada a confusão, procuraram saber os motivos daquela intervenção criminosa. Não havia motivo, todos se conheciam e nunca tinha havido semelhante atrocidade. Poucos eram os registros policiais envolvendo seus moradores. Uns diziam:
— É povo de outra cidade, os daqui não fariam uma coisa dessas.
— Já chamaram a polícia? Perguntou um menos avisado, pois não havia polícia local, só um velho policial, que, àquela altura, já dormia sono solto.
Os bandidos, de cidade longe dali, haviam empregado toda a logística do crime para encontrar o casal de dançarinos, percorreram muitas cidades em busca dos fujões. A ordem era encontrá-los e matá-los. O rapaz, traficante de droga e devedor de fortuna ao fornecedor. Marilene, mulher de um poderoso traficante que, ao se apaixonar pelo dançarino, abandonou sua casa e dois filhos que tivera com o famoso marginal.
Esses fatos foram passados por um dos atiradores encapuzados, era um aviso para que ninguém fizesse nada com qualquer membro da quadrilha, eles eram poderosos, foi o recado deixado para a pequena cidade. Um clima de medo se espalhou, ninguém falou mais nada, nem mesmo houve denúncia para a capital. No outro dia enterraram os mortos, em cerimônia velada e bico calado. Ninguém mais tocou no assunto. Ordem dos bandidos. Essa é a voz do silêncio!