Crochetando

A vida não lhe fora fácil. Não, desde a mais tenra infância, muitas batalhas teve que enfrentar para conquistar um lugarzinho ao sol, e a sombra para refrescar seu cansaço. E ela era mestra em fazer o outro feliz.Sempre alegre, não pensava duas vezes em largar a sua dor para fazer a felicidade do outro. Doar-se era o verbo mais conjugado por ela: doar-se a Deus em primeiro lugar, doar-se aos filhos, doar-se ao marido, doar-se aos afazeres da casa, doar-se ao amigos, aos parentes, estava sempre pronta para servir. Não lhe era difícil essa tarefa, tinha todos os encantos e talentos. Diva da música, da poesia, da gastronomia, dos trabalhos manuais... de um pedaço de pano, de lençol, saía um avental, uma camisa, um guarda-pó para os filhos. E, com linhas multicoloridas, soutaches e rendas, transformava os vestidos das filhas em obras de arte, "prêt-à-porter" exclusivos. Vestidos de missa. Lindos e admirados por todos. Estilista nata.O pedal da velha máquina Singer, estava gasto de tantas pedaladas dos pés carcomidos de Dona Chiquita.Mas logo as meninas cresceram, era preciso fazer-lhes o enxoval. Dinheiro escasso. Sonhos em abundância. Criatividade também.Então resolveu aprender a crochetar como a cunhada Araci, mestra na arte. Lembro-me de vê-la à tarde, depois de tanta labuta, com a agulha de crochet e os novelos de linha branca, quebrando a cabeça nas amostras de pontos pipoca, nos mosaicos primorosos, que formariam os mais de cem quadrados que depois seriam delicadamente costurados à mão, formando a maravilhosa colcha. Foram tardes e noites a fio. Mais de ano! E nunca precisou de óculos.Visão perfeita. Coração também.Em cada ponto, uma batida do velho coração. Só o amor pode crochetar sonhos. Você foi brilhante mãe. Exemplo para todas nós, mulheres da família. Ainda quero aprender a crochetar o amor como você.